Luiz Vilela
- Vai ser uma catástrofe!
- O que eu podia fazer?
- Você podia ter falado pra ela não vir.
- Eu ia falar uma coisa dessas?
- Por que não?
- Uma pessoa me telefona falando que quer vir passar uns dias na minha casa: aí eu falo pra ela não vir?
- Por que não?
- Você falaria?
- Claro que eu falaria.
- Pois eu não.
- Eu falaria: "Escuta, fulana, eu fico muito feliz de você ter se lembrado de mim e da minha casa, mas seria melhor você não vir, porque meu marido não só não aprecia visitas, como também, e principalmente, não aprecia crianças, tanto é que nós não as temos.”
- Muito engraçado... Já imaginou eu dizendo isso pra ela ou pra quem quer que seja?
- Você não disse; o resultado aí está: eles vêm.
- São só seis dias, Artur.
- Só seis dias...
- Ela quer aproveitar a Semana da Criança.
- E nós com isso?
- Ela queria dar um presente para os meninos, e aí ela escolheu esse passeio.
- Muito bonito: ela dá o presente, e nós pagamos a conta...
- Ela me disse: "Mimi, sabe de que os meus filhos estão precisando? Sabe de quê? Eles estão precisando de um banho de interior."
- Se depender de mim, eles vão ter é um banho de sangue.
- "Você acredita, Mimi, você acredita que até hoje alguns dos meus meninos nunca viram uma galinha de verdade?”
- Por que eles não vão numa granja? Perto de São Paulo existem dezenas.
- Ah, Artur; você sabe que não é isso.
- Então é o quê?
- Você sabe que... É como a Dininha disse: "Uma galinha passando na rua, os pintinhos atrás...”.
- Galinha passando na rua...
- "A galinha ciscando..."
- Essa sua amiga é maluca...
- São essas coisas, entende? São essas coisas que ela quer...
- É maluca sua amiga.
- Não, maluca ela não é não.
- Começa pelos filhos. Ou melhor: por ter filhos, já que ter filhos é um ato de insanidade mental.
- Ter filhos é um ato de amor, Artur.
- Os ratos que o digam.
- Ter filhos...
- Já começa por aí, por ter filhos; agora, ter sete, sete filhos: isso é a própria loucura.
- Por quê?
- Porque é.
- Eu não acho.
- E os nomes? Os nomes dos moleques...
- Quê que tem os nomes?
- Repete aí pra mim...
- Pra quê?
- Repete...
- Dagoberto, Delmiro, Dilermando, Donato, Durango, Dorval e Durval.
- Santa Maria...
- Os dois últimos são gêmeos.
- Bem feito. Deus castiga.
- Eu tenho muita dó da Dininha; muita. Já pensou, ser abandonada nova ainda, com sete filhos pequenos?...
- Eu imagino o cara: um dia ele olhou ao redor, viu aquele bando de meninos e aí pensou: "Meu Deus, quê que eu fiz?..." Pegou então a maleta, saiu de fininho e caiu no mato.
- Além do mais, a Dininha foi minha amiga de infância, minha melhor amiga. Hospedá-los é um jeito de eu agora ajudá-la; de nós dois a ajudarmos.
- Ajudar...
- O que é hospedar por alguns dias uma família?
- Isso não é uma família: é uma horda.
- Nossa casa é grande; nós temos recursos, felizmente...
- O problema não é esse, Mimi; o problema nem é a nossa paz, que eles vão perturbar.
- Então qual é o problema?
- O problema é que eles vão acabar com tudo!
- Acabar com tudo como?
- Acabar com tudo, tudo o que tem aqui: acabar com os quadros, com as esculturas, os tapetes, as orquídeas, os bichos; eles vão acabar com tudo!
- Como você pode falar isso, se você nem conhece os meninos, Artur?
- É preciso?
- Você nem sabe como eles são.
- É uma equação, Mimi; uma equação matemática.
- Equação...
- Pensa bem: sete meninos, sete meninos de três a onze anos, sete meninos engaiolados num apartamento no centro de São Paulo: de repente esses meninos são soltos, levados para o interior e despejados numa casa ampla, com jardins, quintal, bichos... 0 que vai acontecer?
- Não vai acontecer nada.
- Não, não vai não...
- Não vai acontecer nada.
- Eles só vão acabar com tudo.
- Imaginação sua, Artur.
- Imaginação...
- Você que está imaginando isso.
- Os quadros e as esculturas, eu ainda podia levar para um banco, podia fazer isso. Mas e as orquídeas? E os bichos? Como que a gente vai tirá-los daqui? Onde que a gente vai pôr? E quem iria cuidar deles?
- Pense um pouco, Artur...
- Pensar o quê?
- Pense no que seria essa viagem para os meninos...
- Por que eu vou pensar nisso?
- Você também já foi menino...
- Já, já fui, e dou graças por não ter sido menino de capital e por nunca ter morado em apartamento; e, se mais alguma coisa preciso acrescentar por ter visto galinhas desde pequeno.
- Você também já foi filho...
- Fui, embora não exatamente por minha vontade. Mas, de qualquer forma, posso dizer que ter sido filho foi, pela mãe que eu tive, a melhor coisa de minha vida.
- Então? A Dininha também está querendo ser uma boa mãe para os filhos dela.
- Filhos...
- O quê?
- Para que filhos?...
- Para quê?...
- Será que não vão um dia parar com essa bobagem?
- Se parar, a humanidade acaba.
- Alguma objeção?
- Se não fossem os filhos, uma hora dessas nós dois não estaríamos aqui.
- Nem estaria essa debilóide nos ameaçando com essas sete pragas, com essa catástrofe.
- Bom: nós já falamos muito.
- Já.
- Vamos encerrar?
- Vamos.
- Eu não vou fazer nada.
- Não.
- Eles vêm.
- É.
- Eu até já vou comprar uma lata de biscoitos.
- E eu uma caixa de balas.
- Balas? Você?...
- Balas de revólver, my dear.