Carnaval, atchim... - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 22/02/2007 às 11:24.Atualizado em 15/11/2021 às 07:58.

Eduardo Lima *



Invisível, além de traiçoeiro e mortal, o tal do vírus é o pavor dos tempos. E foi por ele que me vi abatido; olhos ardendo, corpo moído, uma sensação de cansaço e secura, como se tivesse feito um grande esforço físico na noite de sono. Fora a dor de cabeça – e não há remédio, só para aplacar sintomas. No mais é não se entregar, fingir força e tomar água, muita água.



Vale observar, também, que o corpo interage de maneira cósmica com a natureza e quanto mais experimentado, mais percebe os sinais que ela emite. Tenho comigo que nós nos damos conta do envelhecimento quando começamos a sentir os pés. Corpos jovens não notam manifestações sutis, sendo possível a um adolescente dormir sobre folha de zinco.



Nada incomoda e o corpo é menos importante, já que dotado de saúde e ânimo não se deixa tomar por sensações pequenas. Depois, vivido e desgastado, é um peso o corpo e deve ser conduzido, transportado, especialmente ouvido. O corpo vivido reclama mais. Só que, de mesmo modo, por pura astúcia, é também o corpo vivido capaz de incomum sagacidade.



Não que os corpos jovens não possam fazer o mesmo exercício; mas é que o corpo experiente tem mais paciência, sabe esperar, observa a dor e, por ser existencial tal paradoxo, sente a mais, também, delícias. Pensando assim é que fiquei lembrando sobre como descobri os pés. Antes, enquanto não se cansavam, eu os tinha prontos para jornadas e chutes, mas em contrapartida não os entregava aos toques.



Sentia cócegas. Tocar-me nos pés era briga certa - demorou esta coisa da cócega se decodificar. Cócega e prazer são tão irmãos que, se não há sabedoria, podem ser confundidos. No interior, inclusive, lá pelas bandas de minha terra, diz-se com gênio mínimo que cócega, cócega mesmo, a gente só sente até doze anos, depois é gozo. E tal descoberta nos anima de mais viver.



Até mesmo as sensações amadurecem, servem ao invés de punir, libertam ao invés de escravizar. A idade do corpo é, pois, própria de celebrar, tanto quanto a maturidade do espírito. Maturidade que nos conforta e faz mais compreensivos e inteligentes, capazes de aproveitar tudo o que passava antes, leve e afogueado.



Há e chegará o instante em que o corpo terá sua linguagem. E todos os caminhos serão apontados, todos os segredos se desvendarão. Mitos e medos cairão. O pudor será mais ético que estético. A alegria se apalpará. As rugas serão rios de velejar, pois haverá regalos – líquidos regalos. Haverá rumores do corpo, molhares, deixares.



Eis que então reputo ilegalidade à virose que me atormenta e passo solenemente a lhe esquecer; para praticar o exercício de ser alheio ao corpo e reinventar, quem sabe, a juventude necessária para romper com a vida. No mais é curtir a alegria de sentir, intensamente, o que possa ser prazer e que, convenhamos, a gente merece no carnaval.



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