Roberto Drummond *
Ele (após acender um cigarro): - Eu já sei de tudo.
Ela (com uma cara de anjo): - De tudo o quê?
Ele: - De tudo.
Ela (depois de pegar o cigarro dele, fumar e deixar uma marca de batom no cigarro): - Eu não estou te entendendo, amor.
Ele: - Não, eu não sou seu amor. Talvez já tenha sido. Mas não sou mais.
Ela (rindo, o que aumentava sua beleza): - Quer parar de brincar?
Ele: - Eu não estou brincando. Simplesmente eu já sei de tudo.
Ela (novamente com a cara de anjo): - Então, diga o que você sabe. Vamos, diga.
Ele (fumando nervosamente): - Você tem outro.
Ela: - Já vem você com esse papo!
Ele (encarando-a): - Não fuja do assunto. Descobri a verdade: você tem outro.
Ela (ficando ligeiramente pálida): - Sabe como?
Ele: - Se tivesse um espelho aqui, você ia ver como ficou pálida.
Ela (passando a mão no rotso): - É paranóia sua. Você sempre tem essas paranóias. Não é de agora. Lembra que você sempre teve um ciúme doentio? Lembra?
Ele (muito seguro): - Desta vez não é paranóia. Está certo, concordo, eu já fui muito ciumento.
Ela (tentando ganhar as rédeas da situação): - Você contratou um detetive para me espionar? Foi isso?
Ele (acendendo um segundo cigarro): - Não.
Ela: - Fala a verdade: você contratou um detetive particular para me seguir?
Ele: - Não precisava. Seria até divertido seu eu contratasse. Afinal, hoje, os detetives estão fazendo até tapes para documentar os flagrantes. É só pagar mais.
Ela (depois de acender um cigarro): - Está bem. Se você não contratou um detetive para me seguir, é sinal que você mesmo me seguiu.
Ele (sem alegria): - Você acaba de cair em contradição. Está confessando que tem outro.
Ela: - Eu, confessando? Não. Eu não tenho nada que confessar, amor.
Ele: - Não me chame de amor.
Ela: - Chamar você de que, então?
Ele: - Do que você quiser, menos de amor. Vamos: confesse. Você tem outro, não tem?
Ela (novamente pálida): - Alguém foi buzinar no seu ouvido e você deu atenção. Eu sou uma mulher bonita. Todos falam mal das mulheres bonitas.
Ele: - Confessa: você tem outro, não tem?
Ela (com o cigarro tremendo nos dedos longos): - Tenho. Eu estou gostando de outro.
Ele: - Eu sabia.
Ela: - Mas como você descobriu?
Ele: - Por causa de seu cabelo.
Ela (sem conseguir evitar uma lágrima): - Você deve ter me seguido.
Ele: - Não. Um amigo meu uma vez disse: a gente sabe quando uma mulher está afim da gente pelas mãos. Se fica gesticulando é porque está afim da gente. E se usa um cabelo liso, sem nada prendendo, assim como você, é porque está gostando de alguém... e pode ser que seja de outo.
Ela: - E agora?
Ele (quase tranqüilo): - Tudo acabou. Ainda bem que somos apenas noivos...
Ela (como se lembrasse de outro homem e se sentisse forte): Ainda bem.
* Eterno poeta mineiro, escritor de “Hilda Furacão” e outros livros