Itamaury Teles *
Porteirinha, anos 60. Paradeiro que dá gosto. Rapazes tomam cerveja no bar Timoneiro e, por falta de mictório, devolvem o líquido, processado, para os próprios vasilhames, ocultados pela toalha que cobria a tosca mesa.
Jogam purrinha e fazem apostas diversas para ocupar o tempo ocioso.
Ronaldo de dona Dida aposta que é capaz de comer uma lata de massa de tomate. Zé Bofletas diz que ele não consegue. Entregam o dinheiro da aposta ao Dorzinho. Nei Lima, o proprietário do bar, traz a latinha vermelha de massa de tomate Cica e a coloca sobre a mesa, já aberta e com uma colherinha ao lado. Ronaldo não titubeia. Come. E descome, a seguir.
Enquanto arrumam um balde d’água para limpar a lambança feita, Dorzinho sugere uma nova aposta, ao informar que Benezão Preto é que é bom de garfo:
- Sabem que ele consegue comer, sozinho, uma lata de doce 4 em 1?
- O quê? Daquelas latas grandes, toda colorida, com quatro qualidades de doce e que pesa 1 quilo? – duvidou Ronaldo.
- É daquelas mesmo, que tem figada, bananada, marmelada e pessegada...
- Sei não. Acho que ele não consegue, não. E eu até aposto. Só de pensar, eu repugno!
Nesse momento, Geraldo Traíra, conhecedor da fama do Benezão no Pela-Jegue, onde moravam, interveio prontamente, querendo aproveitar-se daquela oportunidade para ganhar um dinheiro extra:
- Se ocê ripuna, intão vamos casá 50 pila? Eu aposto qui Bené come.
Casaram o dinheiro e pediram a um menino, que xeretava a conversa, para ir chamar o Benezão em sua casa, no Pela-Jegue.
O menino saiu em desabalada carreira. Insuflada pelo vento que adentrava pelo peito aberto, a camisa volta ao mundo, de tecido sintético, balançava ritmada acompanhando seu gingado lépido.
Vinte minutos depois, chega o menino acompanhado pelo Benezão, ressabiado.
De porte avantajado, olhos esbugalhados e sempre vermelhos, quis logo saber o motivo para chamá-lo com tanta afobação.
Ronaldo, então, explicou-lhe o que estava acontecendo:
- Benezão, é o seguinte: Dorzinho disse que você come uma lata de doce 4 em 1 e eu estou duvidando. Apostei 50 cruzeiros com Geraldo Traíra e queremos ver quem é que ganha. Você topa a parada?
Benezão olhou a lata sobre a mesa, apreciou bastante o seu colorido, lambeu os lábios e fulminou:
- Comê até qui eu como, mas tem uma condição.
- Que condição, Bené? Fala logo. Quanto você quer?
E Benezão, na maior simplicidade do mundo, fez a sua exigência:
- Eu num quero nada de dinheiro. Só quero a latra depois...
Comeu e saiu feliz, assoviando uma canção de Roberto Carlos, com a lata debaixo do braço...
* Jornalista e escritor