Felippe Prates
Cariocas descolados (todos héteros!) se rendem ao beijo no rosto como forma de cumprimento. Um jogador de futebol pede desculpas por entrar de sola num oponente com delicado beijo no rosto. Corta. Durante a entrega de um importante prêmio no Copacabana Palace, duas velhas raposas do esporte se cumprimentam com... beijinhos. Corta, mais uma vez. Nas páginas de uma célebre revista masculina, edicão “bazuca”, um jornalista e apresentador de TV afirma, meio casualmente, que saúda os amigos com selinhos. Os personagens dessas histórias são todos heterosexuais convictos, fique bem claro. E apontam para um hábito que vem ganhando entusiasmados adeptos no Rio: homens que cumprimentam os amigos com beijos no rosto, com todo respeito.
O tal jogador de que falávamos é Williams, do Flamengo. Outro dia, no Maracanã, depois de machucar o craque vascaíno Philippe Coutinho, ele demostrou o seu arrependimentos dando um beijo na bochecha do rapaz. Fofo! Acabou virando alvo de piadinhas de seus companheiros e amargou problemas com a noiva. O gesto foi repetido na Inglaterra, neste ano, durante o campeonato inglês, quando Andy Carroll, atacante de Newcastle, ganhou um beijo do colega Kevin Nolan por ter feito o gol da vitoria do seu time. Voltando ao Brasil, aos 17 anos Philippe Coutinho demonstra maturidade: “Fiquei surpreso, mas tranqüilo. Foi um beijo da paz, para pedir desculpas” – disse o rapaz, rindo.
- Mas... Você beija os amigos na bochecha, Philippe?
- Eu, não! Cumprimento de homem é aperto de mão. No futebol não tem disso, não.
Tem, sim. As reações é que são mais caretas. Como no caso de Cléberson, beque do Cabofriense, que ousou dar um beijo no juiz que lhe aplicou falta na final da Taça Rio 2007. Acabou advertido com um cartão amarelo. Hoje, Cléberson dá seus dribles (e, quem sabe, beijos), na Austrália. Durante a entrega do prêmio “Faz a Diferença”, do “O Globo”, o quase octagenário Zagallo tascou um “bacio” na veneranda bochecha do nonagenário João Havelange, ex-presidente da Fifa. Mas, procurado por um repórter, arrependeu-se:
- Nem faça a pergunta! Não vou comentar. Nem comece a falar sobre isso!
Mas que beijou Havelange, beijou. Mais “relax”, o jornalista e apresentador do ‘’Big Brother Brasil’’, Pedro Bial disse à ‘’Playboy’’ do mês passado que cumprimenta os amigos com selinhos. Esclarecendo, o jornalista sabe que o selinho ainda é tabu:
- Meus amigos héteros mais íntimos não gostam de selinho, só beijo no rosto e abraço. Só dou selinho em um amigo hétero que não tem grilo com isso e no meu irmão. Já nos meus amigos gays, dou selinho. Bial aproveita para citar o cantor Gilberto Gil, autor de ‘’Pai e mãe‘’ :
- Sempre me vem à lembrança a obra-prima de Gil: ‘’Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens como beijo meu pai’’.
Apesar de algumas reações adversas, o fato é que o beijinho entre os homens já é uma realidade urbana cosmopolita, segundo o psicanalista Marco Antonio Saldanha:
- Esse beijinho no rosto pode ser uma resposta à carência afetiva atual, em que os encontros, a sexualidade e os vínculos são cada vez mais banais. O beijo serve para mostrar que o outro não é descartável ou banal. Beijar um amigo no rosto mostra que ele é especial. Afinal, não se beija todo mundo, existe uma hierarquia nos níveis de intimidade – ressalta, neste mundo em que tantas coisas estão em dúvida. Inclusive a consultora de estilo Gloria Kalil, que mantém o pé devidamente atrás em relação ao hábito:
- Ainda é uma novidade na nossa cultura, né? E, como toda novidade, demora a ser absorvida. Vamos ver se pega. Afinal, se nem certas leis pegam neste país...
Gloria, porém, aprova os beijinhos entre homens com louvor:
- É uma ideia muito calorosa, íntima e próxima. É bem mais “relax” em termos de cumprimento. Mas, em certos acertos, pode ser só “show off”.
Pedro Bial discorda da tese “show off” (exibicionismo, em bom Português). Para ele, o beijinho é apenas a ponta de um ‘’iceberg comportamental’’ bastante interessante:
- O homem está mais feminino, e isso é bom. É uma consequência, creio, da emancipação feminina. Estamos tendo a chance de nos tornar melhores pais, podemos afinar a nossa casca, brincar de flor de estufa. E até reconhecer as maravilhas de ser homem, sem as obrigações culturais de uma moral caduca que tiranizava os meninos em nome de um homem que nunca existiu. No entanto, esse homem existe desde sempre no “BIP BIP”, barzinho que é reduto de bom samba em Copacabana, onde o beijinho é quase oficial. No primeiro livro de crônicas sobre o BIP, alguém escreveu: ‘’No BIP BIP, o Alfredo Melo, seu dono, beija todo mundo, beija o Ziraldo, beija o gari e disso se orgulha, pois acha que beijar é tão carinhoso...” E já que o Alfredinho trouxe o mundo à baila, não custa lembrar países famosos pela ‘’beijação’’. Na Itália, é de lei cumprimentar os amigos com um ósculo. Na Argentina, idem. A surpresa no quesito beijo-entre-iguais vem da França, famosa por seus hábitos liberais:
- O beijo entre os homens nem é tão comum assim, por lá, conta o vice-cônsul franês Gilles Barrier, de 45 anos, há dois no Rio. “Não sou gay, mas sempre fiz questão de beijar meus amigos em público, para marcar posição.” Igualmente, o engenheiro parisiense Sébastien Prats (do ramo francês da nossa família, gente...), de 34 anos, há quase dez no Brasil, nota que o beijinho no rosto vem ganhando espaço no Rio:
- É um afago entre amigos muito próximos, mas nada se iguala ao ardor do abraço brasileiro! Repare na saída de um vôo da “Air France”, no Tom Jobim: enquando os francêses dão um beijo chocho, seco, nos amigos, os brasileiros se enlaçam em calorosos abraços...
Agora, certamente, vão trocar beijinhos. Com todo o respeito!
*Bacio (pronuncia-se “bátchô”) – beijo, em italiano.
Referência: Jornal “Ela”
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