As telenovelas - por João Caetano Canela

Jornal O Norte
Publicado em 16/06/2008 às 14:33.Atualizado em 15/11/2021 às 07:35.

João Caetano Canela



As telenovelas que a rede Globo vem levando ao ar, principalmente nos últimos anos (não me refiro às novelas de época), me parecem cada vez mais bobinhas. Bobinhas porque, destituídas da necessária tensão de realismo que deveria permeá-las, desenrolam-se numa atmosfera de impunidade em que tudo se faz, desfaz e refaz, de uma maneira inconseqüente, irreal e graciosa, como nos desenhos animados do gato e o rato. 



Essas telenovelas podiam ser melhores e certamente o seriam, sem dúvida, caso os autores não as escrevessem com um olho no texto e outro na audiência.  Mas o fato é que eles as escrevem assim, sob a tutela do telespectador e praticamente aceitando a linha de enredo que lhes é indicada.  E assim vão tocando o seu trabalho, acomodados nos bons índices de audiência e sem exigir de si melhor qualidade. 



Pois é, o que importa é agradar ao público assistente, que, de certo modo, escreve a telenovela juntamente com o autor. Dir-se-ia desse público um colaborador, se efetivamente colaborasse. Não colabora; e o resultado é este que se vê: uma telenovela de pouco contéudo, frágil e inverossímel, com personagens que, construídos sem densidade psicológica, não são convincentes como tais. Uma telenovela, enfim, sem a necessária força dramática, empobrecida e desqualificada como texto literário que deveria ser.



Ora, o telespectador tem a sua importância, sei disso, e nem a televisão alcançará o fim desejado sem aquilo que o público assistente representa: a vital audiência. É aceitável, portanto, que o telespectador, que se sente partícipe da telenovela, opine sobre a mesma e seja ouvido pelo autor. Só que, a bem da qualidade da telenovela, essa participação do telespectador nunca pode avançar na liberdade de criação do autor, sob pena de condená-lo à mediocridade.



Que o telespectador possa influir e contribuir. Por que não? Que se manifeste a respeito da telenovela, que externe suas críticas e seus anseios. Por que não? E que o autor, por sua vez, seja sensível a essa manifestação. Só que cada qual – autor e telespectador – dentro dos seus limites.



Aliás, não é por outra razão (senão por não encarar o trabalho que faz com a devida seriedade), que o autor de telenovela vem perdendo conceito e sendo taxado, de maneira jocosa, de “novelista”. Ora, “novelista”, numa acepção depreciativa, é aquele autor de telenovela que perdeu toda a independência de desenvolver a sua trama novelística e, sem nenhuma autonomia quanto ao enredo da mesma, bem como quanto à construção dos personagens, escreve em função do público.



Sábado próximo passado, a rede Globo levou ao ar o último capítulo da novela “Duas Caras”, de Agnaldo Silva. Ora, bom novelista o Agnaldo Silva seria, caso não se submetesse à ditadura do público. Mas se submete e, ainda que em prejuízo da qualidade do seu trabalho, escreve para atender ao telespectador, naquilo que este deseja.



E o que o telespectador desejou, quando do término de “Duas Caras”? Desejou, conforme deixou claro em todas as sondagens que a rede Globo realizou no país, que o personagem Ferraço (um vilão arrematado, um biltre inescrupuloso e dono de um perfil psicológico assustador), se convertesse num mocinho e, cheio de bons sentimentos, afinal reconquistasse o amor e a confiança da personagem Maria Paula, heroína a quem ele, o vilão, enganou e traiu miseravelmente.



Seria desejar muito, se fosse um desejo da vida real. Era, porém, só um desejo de telenovela; e o autor, como “novelista”, fez a vontade do telespectador.



Quanto a mim, crítico dos “novelistas”, ao menos por coerência devia ter-me abstido de assistir a essa “Duas Caras”, que me parece um telenovela tão bobinha quanto às demais. Não me abstive e, confesso, assisti ao seu último capítulo. O que faz de mim, literalmente, um “telespectador de duas caras”, embora em meu favor eu possa argumentar que nada me restava fazer, naquela noite de último capítulo de telenovela, a não ser juntar-me ao grande público que se encontrava diante da televisão.



Portanto, eu que me recusei a ver “Duas Caras” desde os seus primeiros capítulos, acabei capitulando e vendo-lhe o último. E devo dizer, para ser sincero, que gostei daquele final em que o Ferraço, redimido e digno, se encontra com o filho e a esposa, numa praia onde um mar, belo e absolutamente irretocável, rebenta na areia.



Sim, assisti à cena final dessa telenovela inverossímil e bobinha. E mais e pior: eu me comovi quando o Ferraço e a Maria Paula, felizes para sempre, se beijaram.



Sou um bobão.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por