Petrônio Braz (*)
Repassei para Karla Celene Campos um lindo e-mail que recebi de minha amiga Isabel Maria Cabral, escritora portuguesa, autora do Prefácio à 2ª edição de meu livro Serrano de Pilão Arcado, com amostras da cultura africana. Isabel Maria é apaixonada pela África, cenário de um de seus livros, que está ali mesmo, quase ligada a Portugal. E, por falar em Portugal, a professora e acadêmica Ivana Rebello lá está nesses dias de julho, curtindo merecidas férias. A também professora e acadêmica Karla Celene acaba de regressar do Peru, e a acadêmica Doris Araújo está também ausente. Elas merecem. Para as Festas de Agosto estarão todas aqui.
Em resposta ao meu e-mail, Karla Celene mandou-me outras belas amostras da cultura do continente negro e, não satisfeita escreveu e mandou-me, em desabafo cultural e social, o que abaixo transcrevo, com sua autorização:
- Qualquer maneira de preconceito me entristece – e coloco em primeiro lugar, na longa e infeliz galeria deles, o abominável preconceito racial.
Já começa equivocado o ser humano que discrimina, marginaliza, oprime, inferioriza, explora, fere e machuca o outro por causa da cor da pele, do tipo de cabelo, da largura das narinas e outros detalhes externos que não passam de detalhes, uma vez que o essencial está por dentro, por baixo, sob as aparências.
O ser humano que julga e condena o outro pelo seu tipo físico normalmente não sabe, mas, se a alguém se poderia classificar de inferior seria a ele mesmo, que ignora a sabedoria da Natureza ao decidir design – e design é um desenho, um modelo, um projeto que se faz com técnica e criatividade com o objetivo de solucionar problemas.
É essa a intenção da Natureza.
Sobre os homens que habitam a Cordilheira dos Andes, por exemplo, sabemos que os índios, nascidos no local e habitando o altiplano há dezenas de gerações, foram dotados pela natureza de um organismo adaptado. Baixos e robustos, eles possuem uma caixa torácica particularmente larga, e uma capacidade pulmonar superior em mais de um terço a dos pequenos peitos das pessoas da costa. O número normal de seus glóbulos vermelhos varia entre sete milhões e sete milhões e meio, enquanto que um homem de outras regiões não possui mais de quatro milhões e duzentos e cinquenta à altitude zero. Isso para sobreviver ao soroche, mal dos Andes provocado pela altitude e rarefação do oxigênio. (A civilização dos incas, Jean-Claude Valla).
Lições de sabedoria e experiência da Mãe Natureza que os homens, seus filhos, parecem – ou preferem - ignorar...
Ignoram, por exemplo, que a cor negra da pele dos africanos tem a função de adaptá-los ao meio para que sobrevivam ao sol inclemente do continente onde nasceram; que ao europeu bastaria uma pele clara e estaria adaptado ao clima local; que a carapinha sobre a cabeça dos negros é também uma forma de proteção sob o sol; que os cabelos lisos de homens de outras regiões se fazem necessários para facilitar o deslizamento da chuva e da neve, ausentes no local de origem dos africanos; que o nariz fino do homem branco é proteção para evitar a inalação de grande quantidade do ar frio e dolorido a caminho dos pulmões, aspecto, portanto, desnecessário ao africano...
Assim, as diferenças deveriam ser vistas como vantagens, e não como motivo de discriminação. Deveriam ser vistas como lições de amor - ou de interesse na sobrevivência da espécie, que seja, da Mãe Natureza junto aos seus filhos...
Mas essa coisa de amor e boas intenções parece complicada dentro do universo de humanos que preferem discriminar, marginalizar, oprimir, inferiorizar, explorar, ferir e machucar, além de fechar os olhos para a beleza das diversidades.
A Natureza, antes da intervenção antropogênica que em muitos casos a tem deteriorado, conduziu de forma maravilhosa o processo evolutivo da vida, que Karla Celene nos mostra com clareza.
Em nosso país, civilizado em razão de imigrações voluntárias ou não, está presente o mais perfeito abraçamento étnico, pelo caldeamento ternário do branco, do negro e do silvícola, pelo que se torna ridículo a presença do racismo.
Falando em Natureza, ontem (15/7) regressando à noite de São Francisco pedi à Fátima para estacionar no acostamento para apreciarmos a lua cheia, que nos iluminava indiferente à nossa existência. Sonhei. Todos nós sonhamos, ou melhor, “nós somos feitos da mesma matéria de nossos sonhos” (Shakespeare).