Artimanha

Jornal O Norte
29/07/2005 às 17:21.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:49

Ronaldo José de Almeida *

Como sempre fazia pouco antes da hora da prova, a turma reuniu-se para planejar como poderia ser enganado o professor. Era dia da prova de matemática e, conforme dissera antes o diretor, o professor Kleber estava acamado com forte gripe e seria substituído por outro inteiramente desconhecido.

Os alunos encontravam-se reunidos no fundo do pátio da escola, longe de olhares acusadores. Wanderley falou para os demais:

- Não sabemos quem é o novo professor, porém, teremos de desviar sua atenção. Caso contrário, o resultado será desastroso.

- O que você propõe, Wanderley? - perguntou Jacira.

- Vejam bem, podemos usar a mesma tática. O que vocês acham?

- Muito bom, muito bom – Coelhinho respondeu pelos demais.

- Então agora é com você, Lourdinha - disse Wanderley.

- Sobrou novamente para mim - respondeu a moça.

No terceiro horário, toda a sala esperava, ansiosa, a entrada do professor substituto. Foi quando adentrou ao local um rapaz moreno claro, alto e de óculos, com ares de intelectual.

Apresentou-se como sendo o professor Fenelon, que assumiu o seu lugar e imediatamente iniciou a chamada, ao mesmo tempo em que entregava a prova de cada um.

Na primeira carteira lá na frente, encostada na parede e de frente para o mestre, estava Lourdinha com uma minissaia reveladora. Ela, além de muito bonita, tinha um corpo escultural. O lugar por ela escolhido permitia a Fenelon uma visão devassadora daquela anatomia. A estudante, como se não bastasse, ficou com as pernas semi-abertas, o que tiraria a concentração até de um monge tibetano.

O mestre, entretanto, permaneceu inteiramente alheio àquela encenação, mostrando-se, por outro lado, bastante rigoroso na vigília aos estudantes.

Os alunos estavam acomodados nas primeiras fileiras, ficando livre a parte de trás, na qual só se encontrava Jorge Jerico, bem lá no cantinho da sala. A todo instante, o professor Fenelon direcionava-se a passos cadenciados e vagarosos para aquele canto no qual se encontrava Jorge Jerico, ali permanecendo por certo tempo e depois voltando ao seu posto.

Em certo momento Lourdinha, notando o desespero da turma, que não conseguia colar em virtude da vigilância do mestre, tentou um ato quase de desespero para atrair sua atenção. Pediu-lhe licença para tomar emprestada uma caneta ao colega que se sentava atrás. Assim, virou-se e ajoelhou-se na sua cadeira, curvando-se e mostrando todo o seu derriére ao professor.

Fenelon não se abalou com a cena, limitando-se a fazer uma pequena contração com o lábio inferior, um biquinho de desdém.

Lourdinha não se conformou com o pouco caso daquele. Insistiu mais ainda em sua performance com caras e bocas. Mas tudo em vão. O educador saiu da mesa, chegou perto da aluna e falou baixinho no seu ouvido:  - Você é muito bonita garota, mas não faz o meu tipo. Comporte-se.

Sua voz mansa, porém rigorosa, jogou por terra a artimanha da aluna Lourdinha, que demonstrou um leve desolamento por não ter conseguido reconhecimento aos seus notórios atributos físicos. A maior parte da aula o professor passou-a ao lado de Jorge Jerico.

Ao toque do sinal finalizador da aula, Fenelon retornou para sua mesa. Os alunos entregaram-lhe as provas, que fizeram desastrosamente. Todavia, na vez de Lourdinha, o professor lhe disse:

- Não me queira mal, querida, pois eu só lhe quero bem!

Na saída do colégio, Wanderley, Lourdinha e Coelhinho viram, estupefatos,  Fenelon em atitude amorosa, com o braço direito nos ombros de Jorge Jerico, conduzindo-o delicadamente rumo ao seu carro.

* Advogado e escritor

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