Realizar doações, seja em bens, dinheiro ou trabalho voluntário, não é algo que faz parte da rotina de muitos brasileiros. De acordo com dados do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), a situação só vem piorando: enquanto em 2015, 77% da população havia feito algum tipo de doação, no ano de 2020, quando foi realizada a última pesquisa, o percentual caiu para 66%.
A mesma pesquisa mostrou que o efeito do coronavírus mudou as prioridades dos brasileiros quando se pensa em causas sociais. Em 2015, a causa mais apontada foi Crianças e Saúde. Já em 2020, o Combate à Fome e a Pobreza aparece em primeiro lugar, seguido por Saúde e Idosos.
A questão principal é: o Brasil ainda é um país com uma cultura de doação fraca, ocupando o 54º lugar no Ranking Global de Solidariedade, realizado pelo Word Giving Index (WGI). O mesmo levantamento, realizado em 2021, mostrou que o país mais generoso do mundo é a Indonésia – oito em cada dez indonésios doaram dinheiro no ano passado e a taxa de voluntariado é três vezes maior que a média global. Em segundo e terceiro lugares estão Quênia e Nigéria, respectivamente.
É controverso pensar que o povo brasileiro é internacionalmente conhecido por ser acolhedor, hospitaleiro e solidário. Quando pensamos nesse estereótipo, nos deparamos com a seguinte pergunta: por qual motivo, então, ainda não temos uma cultura da doação enraizada na sociedade civil? Na minha opinião, a resposta está relacionada a fatores como corrupção, falta de confiança e transparência do terceiro setor.
Trabalhando em causas sociais há mais de 15 anos, percebi que as pessoas que costumam realizar doações com frequência normalmente passam esse apoio financeiro a igrejas ou organizações religiosas, ou diretamente para as pessoas necessitadas. No final das contas, o principal motivo apontado é que não possuem a certeza de que o dinheiro e/ou doação será realmente destinado ao local correto.
Sei que vivemos em um país marcado pela corrupção, sendo compreensível e necessário que exista transparência em todos os segmentos, e isso não seria diferente no terceiro setor. Exatamente por isso, acredito tão fortemente que o trabalho dos projetos sociais e ONGs vai muito além de captar recursos financeiros e ajudar uma causa específica. É necessário divulgar o que é feito com as doações recebidas, mostrar os resultados alcançados e as mudanças conquistadas na prática, na vida das pessoas beneficiadas. É isso que ajudará a realizar uma mudança efetiva, permitindo a construção de uma cultura da doação mais consolidada.
*Fundadora do Instituto Devolver, organização sem fins lucrativos para apoiar crianças e adolescentes carentes no Brasil