Tempestade mental

Mara Narciso - Médica e jornalista
27/03/2019 às 07:13.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:58

Há tantos pensamentos, tantas coisas a abordar, porque escrever é fazer com que as ideias deixem de ser ondas elétricas cerebrais para se transformar em um código gráfico. Escrevendo, busco equilibrar-me. Diante de uma tela em branco, a dificuldade não é pensar num tema, mas escolhê-lo. Imensidões passam num lapso. Poderia ser isso, ou aquilo. Mas vamos tentar uma temática universal, largando o personalismo, na medida do possível.

Várias memórias da infância passam por aqui, mas as deixo adormecidas. São momentos sobre o telhado da minha casa aos 3 anos, ou o Colégio Imaculada Conceição com seu teatro de fantoches aos 5 anos. Lembranças bem intensas e coloridas. Qual o motivo de terem tamanha força, luz e cor?

Existem os nomes próprios estranhos. Li o livro “O Idílio de Pórcia e Leolino”, de Dário Teixeira Cotrim, uma história que se passa no começo do século 19, e já inspirou extensos cordéis. A julgar pelo nome dos protagonistas, podem-se deduzir todos os demais. Porém não falarei disso. É livro histórico, sobre o qual já escrevi, cheio de referências, com tudo escrito pelas normas técnicas, fruto de árdua pesquisa.

Lembro-me de palavras novas, que penso olhar no dicionário, mas elas passam se não pesquiso na hora. Outras são corriqueiras, porém, quando preciso delas, somem. Mas não me conformo. Vou ligando várias ideias para ver se aquela palavra vem. Acaba voltando, porém numa hora em que já não preciso mais dela, por tê-la substituído, ainda que por outra menos exata.

Ou falar dos nomes inventados para denominar empresas de Montes Claros, que são criados unindo o ramo de negócio com a palavra Montes ou Claros. Desculpem-me, mas o nome “Rolamontes” não agrada na sonoridade e nem nas ideias que nos remontam. Ainda assim, está aqui a publicidade grátis.

Ou as pessoas em situação de rua, que são muitas e me sensibilizam, sejam por estar sujeitas a violência urbana, por sofrerem as intempéries do tempo, não terem nada, muito menos segurança, e o óbvio, não há banho nem privacidade e nem têm o que comer. A sociedade os quer invisíveis.

Ou a população flutuante, sobre a qual já falei vezes sem conta. São os doentes que vêm em busca de consultas ou exames em Montes Claros. Saem de casa às 2h ou 3h. Raramente chegam de carro próprio. Vêm de táxi fretado, ou van ou ônibus da prefeitura. Ficam ao sol, sem pouso, esperando algo ou alguém, sem almoço, sem banheiro, durante todo o dia, partindo daqui à noitinha. Ficam ao léu na Praça Honorato Alves, em frente à Santa Casa. Com sol forte ou quando chove, ampliam-se seus sofrimentos. Estão doentes, com medo, passando por expectativas agoniantes e ainda têm de viver mais essa prova de fogo de espera e de angústia.

Há nove anos, falei com 11 pessoas com mais de 80 anos para coletar a história de Irmã Beata. Escrevi textos sobre ela, inclusive para a Revista Plataforma, para a qual eu trabalhava como repórter. Desde então, recolho imagens da freira, e tenciono escrever mais sobre ela. Coleciono histórias e imagens, sejam retratos, pinturas ou desenhos. A memória coletiva da cidade pede por isso.

Sobre qualquer um desses temas, eu poderia escrever, destrinchá-los, mas decidi apenas enumerá-los.

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