Som de Rádio FM

Mara Narciso - Médica e jornalista
Hoje em Dia - Belo Horizonte
04/12/2018 às 05:49.
Atualizado em 28/10/2021 às 04:03

Aprendi a gostar de rádio desde menina. Quando se popularizaram as estações em FM_ frequência modulada, a característica principal era o som grave, encorpado, límpido, de melhor qualidade, sem chiado, com apresentação de vários números musicais e depois uma propaganda elaborada e curta. O som era melhor, mas atingia menores distâncias, “gritando no centro e cochichando na periferia”, como se dizia, então. A voz grave do locutor de FM era uma festa para minha sensibilidade. Homens com boa voz faziam um teste de locução e tendo dicção correta estavam contratados.

A primeira FM da cidade foi a 98,9 FM, ZYC 724, Rádio Montes Claros, que fez 38 anos em maio. Naquela época havia algo chamado de som ambiente via rádio, comprado por restaurantes, bares, hotéis, elevadores e consultórios médicos e odontológicos. Eram canais fechados e pagos, que só tocavam música.

Um tipo específico de melodia saía desses canais e as pessoas se referiam a ele como “som de consultório médico”. São aquelas longas toadas instrumentais, uma quase igual à outra, comumente no ritmo de jazz, ou então um instrumental mais lento e leve, buscando a suavidade para relaxar quem estava só, comia ou esperava. Algo como uma música para tocar de madrugada.

Parecia que o relógio andava cansado, não havia a pressa de hoje e nem mesmo a necessidade de se fazer várias coisas ao mesmo tempo, espremidos pela agenda e o horário. Quase tudo era feito com calma.

Mesmo agora, passados tantos anos e bem depois da disseminação da internet pelos celulares e o YouTube destacando-se no ramo musical, algumas músicas nos fazem lembrar as estações FM de música ambiente. Via internet, e a preços mensais, o som pode vir de empresas de comunicação. São instaladas estações de rádio corporativas de acordo com a filosofia da empresa, com chamadas e músicas conforme o gosto do cliente, como também outros tipos de sonorização.

Sabe quando, no rádio, o horário do programa já foi atingido, mas o locutor ainda não chegou? É quando o técnico coloca uma “música de esperar”. Todos sabem como é uma música desse tipo, algo num estilo genérico, que não se destaca. Serve para encher espaço, mais para aguardar a Voz do Brasil, por exemplo. Em Brasília, 19 horas. E toca o Guarany de Carlos Gomes.

Sobre músicas, ainda existem novas melodias elaboradas e longas, compostas por autores cultos, mas, para elas há poucos ouvintes. As pessoas querem músicas rápidas, dançantes, com dois acordes e quase uma única letra sobre dois assuntos: infidelidade e sexo. O amor mudou e o mundo e o público mudaram com ele. No velho estilo “qualquer coisa serve”, os compositores não pensam e nem lapidam suas produções. Oferecem quilos de um produto descartável para as pessoas fazerem três coisas: ouvir, dançar e esquecer. Ininterruptamente.

Nos consultórios, quase não se ouve mais música ambiente. Há uma televisão ligada e devidamente ignorada, ou raramente flertada, quando toca a música de edição extraordinária dos jornais. Os clientes estão lado a lado, porém calados. De vez em quando se escuta uma risada solitária. Ninguém olha nem fala com o outro, pois todos estão de cabeça baixa adorando seus celulares.

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