Prova de Vida ou aprova a vida

Wagner Dias Ferreira*
Publicado em 15/07/2022 às 19:44.

Não tem sido raro que o cidadão médio, se encontrado em uma situação rotineira, seja interpelado com a pergunta: por que as pessoas envelhecem? E a resposta bate-pronto com alegria: porque não morreram cedo demais. E essa resposta, via de regra, desperta uma nova expressão facial no interlocutor, mais disposta e elevada. Há um costume no Brasil que é o de fazer uma efusiva festa de aniversário para criança de um ano. Isso ocorre porque, no país, a mortalidade infantil era muito grande até os anos 1980. De forma que, ao romper a barreira de um ano, tornava-se algo muito importante a ser comemorado.

Nos anos 1990, com o crescimento da violência direcionada à juventude, constituiu-se o marco temporal de idade entre 16 e 24 anos como uma barreira à vida das pessoas, com níveis alarmantes de mortalidade para esses jovens. Quando o governo federal, na primeira década do século 21, empreendeu criar um Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte para alcançar o público infantojuvenil mais vulnerável a essa mortalidade precoce, um juiz de BH levantou a voz dizendo-se impressionado com a percepção de que muitos dos meninos que passaram por ele no Juizado da Infância e Juventude ou estavam no sistema prisional ou mortos. Dando conta de que a situação era de urgência social absoluta.

As políticas de preservação da vida caminham muito lentamente enquanto as situações de mortalidade vão a galope. Passado o tempo, o discurso de preservação da vida no combate à mortalidade infantil e de defesa das crianças e adolescentes que vinham tombando ante a violência se transmutou para aqueles que precisam fazer a prova de vida. Estes estão vivendo mais e onerando os cofres da Previdência e, por isso, o desenvolvimento das políticas restritivas à vida.

Questionamentos frequentes à vacinação, constantes reformas da previdência, mercantilização da educação e da saúde, enfraquecimento e desmonte gradativo do SUS. Tudo para implantar um tipo de política de morte, contrária à tradição do povo que sempre festejou a vida e lutou para preservá-la. Nesse momento, é muito importante perceber como se quer viver. Como alguém que precisa “provar a vida”, como o personagem bíblico Abraão foi provado, ou como alguém que “aprova a vida”, como o povo brasileiro sempre fez ao cantar parabéns para uma criancinha de um ano que ainda nada entende.

*Advogado e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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