Por uma semântica de vida

Wendell Lessa
wendell_lessa@yahoo.com.br
Publicado em 20/01/2022 às 00:58.Atualizado em 21/01/2022 às 12:16.

É natural do ser humano desejar interpretar as coisas para saber como de fato elas são e o que significam. Não à toa, ciências se desenvolveram em torno deste ideal: interpretar a realidade e buscar ou dar, embora sejam movimentos diferentes, sentido às coisas. O surgimento da Hermenêutica e da Semântica, por exemplo, comprova essa tentativa humana de interpretar, explicar, traduzir e expor, colocar para fora, o sentido das coisas. O estabelecimento de gramáticas, também, visa a estruturar e diagramar as ideias, de modo que a linguagem possa indicar o sentido das coisas.

Esse desejo humano provém de sua própria origem. As Escrituras Sagradas dizem que o homem foi criado por um Deus sábio, justo e bom; e que imprimiu em sua criação sua própria imagem, indicando sua integridade, retidão e naturalmente a inclinação para conhecer as coisas criadas. As Escrituras nos dizem que Deus deu ao homem uma posição excelente e a capacidade de vontade para pensar, refletir e tomar decisões sábias, retas e justas. Seu coração estava sempre no lugar certo, e suas afeições eram perfeitamente alinhadas com o sentido das coisas.

Todavia, as Escrituras também nos dizem que algo de muito errado aconteceu: o pecado entrou no mundo por meio da transgressão. O pecado, de acordo com os teólogos reformados, é a transgressão da lei de Deus e a não conformidade com essa lei. É um desajuste à ordem de Deus. É a autonomia. É a tentativa humana de emancipação. Ao desobedecer a ordem de Deus, o homem caiu em pecado e, com isso, seus afetos foram transtornados, sua vontade desequilibrada e seus desejos descontrolados. O homem perdeu a capacidade de perfeitamente orientar-se para o que é reto e bom.

Por isso, o homem perdeu a capacidade semântica de interpretar o mundo a partir da revelação divina original nascida em Deus. Ele agora busca interpretar o mundo por si mesmo e, angustiado, deseja encontrar sentido. Todavia, ele não o encontra. E não o encontra, porque seus afetos estão desordenados. O homem tenta colocar o sentido onde ele não deve estar. Foi exatamente assim que se expressou o rei Salomão ao escrever em Eclesiastes. Sobre a diferença entre o sábio e o tolo, ele disse: “Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito do que as trevas” (Ec 2.13); sim, mas até mesmo a sabedoria se torna em nulidade quando não direcionada para Deus. Sábios e tolos são iguais quando concentram a razão de suas vidas nas coisas que possuem. Alguém que tenha muito conhecimento e inteligência e que confie nessas virtudes em última instância é tão tolo quanto o mais estulto dos homens. A sabedoria está, na verdade, não em possuir, mas em direcionar o que se possui para o alvo certo.

A Bíblia nos fala sobre esse alvo para o qual todos nós devemos apontar nossos afetos: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36). E: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Por isso, Salomão, em busca de uma semântica de vida, soube decifrar o verdadeiro enigma: as coisas só têm sentido quando reconhecidas em Deus como fonte de toda bondade e benevolência. Ele escreveu: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?” (Ec 2.25-26).

Quase sempre os nossos maiores problemas e nossas mais turbulentas tensões vêm do fato de nos dedicarmos apenas à primeira parte do que nos disse Salomão: “comer, beber e usufruir de nosso trabalho”. Mas pouco nos importamos com a segunda parte, que é, na verdade, a razão de ser da primeira: “separado de Deus, ninguém pode se alegrar”. É nesse ponto que a vida encontra sua verdadeira semântica. 

Qualquer estrutura de sentido que despreze a razão de ser do homem – viver para a glória de Deus – é condenada ao fracasso, ao desespero e à angústia. O homem sempre tentará, mas lhe faltará algo. Ele buscará, mas não encontrará. Andará por longos caminhos e sofrerá muitos danos, porque caminhará por lugares áridos, sem esperança. Seus afetos continuarão descontrolados, sua vida permanecerá sem sentido, até que ele perceba que a semântica da vida é viver para satisfazer aquele que o criou.

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