“Doutora, não quero mais usar óculos. Desde que me entendo por gente, me sinto a mais feia do meu grupo de amigas. Minha vida é tão limitada por causa disso; preciso dos óculos para tudo e até me maquiar se torna um desafio!”. Esta é Giovana, uma moça de 21 anos, diagnosticada com um alto grau de miopia desde os oito anos de idade. Para muitos, pode parecer bobagem, mas só quem passa por isso consegue compreender os obstáculos de quem precisa dos óculos para fazer qualquer coisa durante o dia.
A partir daquele momento, começamos a discutir possibilidades para a substituição dos óculos. Lentes, cirurgia de correção de visão e outros caminhos. Meus pensamentos foram muito além dos tratamentos oftalmológicos. O corpo humano é um sistema interligado e se uma parte não está funcionando bem, ele prejudica inúmeras outras áreas. E assim me questionei sobre o quanto a saúde dos olhos pode afetar nossa mente.
Uma pesquisa publicada no Journal of American Medical Association - JAMA (2021), relata que indivíduos com problema de visão têm o dobro de chances de desenvolver depressão, em comparação com os que não possuem. Isso acontece porque a dificuldade em enxergar claramente pode limitar atividades cotidianas, essenciais para uma vida de qualidade. Por exemplo, muitas mulheres em tratamento oftalmológicos relatam desafios ao se maquiar, uma prática considerada quase como um ritual de autocuidado e expressão pessoal.
Outro ponto importante para se avaliar é o preconceito que ainda existe com o uso de óculos. Como disse Giovana, eles a fazem se sentir inferior em comparação a suas amigas. E, apesar de serem uma ferramenta essencial para corrigir problemas de visão, muitos os vêem como um sinal de fraqueza, inferioridade ou falta de beleza. Esse estigma pode ser especialmente difícil para crianças e adolescentes, que muitas vezes são alvo de bullying por usarem óculos.
Enquanto médica oftalmologista, acredito que cuidar da visão é cuidar da alma. A saúde ocular está ligada à maneira como nos percebemos e como nos relacionamos com o mundo. É essencial incentivar as pessoas a buscarem tratamentos adequados para seus problemas de saúde ocular. Porém, sempre lembrando que, atrás daquele óculos ou lentes, ainda existe um ser humano que possui um corpo totalmente conectado. Assim, se mexemos em alguma parte, automaticamente também alteramos outra. Ou seja, estamos lidando muito mais do que com apenas oftalmologia, mas sim com a saúde mental de cada paciente que passa por nós.
*Oftalmologista da Oftalmologia Felício Rocho