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PL que garante água gratuita em eventos é bem-vindo, mas repete fórmula da remediação

Ianka De Paula*
Publicado em 16/02/2024 às 19:00.

Uma morte desnecessária, provocada pelo descaso dos organizadores do show da cantora norte-americana Taylor Switf no Brasil, no último mês de novembro, foi o estopim para que finalmente se desencadeasse um projeto de lei que faz o reparo de uma lacuna no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A jovem Ana Clara Benevides, de 23 anos, morreu por exaustão térmica diante de uma sensação de 60º no dia 17 de novembro, durante a apresentação da pop star, no Rio de Janeiro. O agravante do caso: os seguranças não autorizavam o acesso dos fãs ao local com garrafas de água.

A tragédia provocou uma mobilização já nos dias seguintes, e não demorou a se converter no Projeto de Lei 6.096/23, que autoriza que as pessoas entrem com água potável em estabelecimentos comerciais, casas ou ambientes de festas e espetáculos. Se for sancionada, a Lei Ana Benevides, como já é chamada, obrigará que esses locais ofereçam água gratuitamente ao público.

A proposta ainda está em tramitação na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado Federal, onde aguarda emendas parlamentares para seguir os passos seguintes. Considerando a hipótese de ser aprovada no Congresso e posteriormente sancionada, poderá ser tratada como uma correção do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda que tardia.

Aliás, leis decorrentes de tragédias são de certa forma constantes nos processos legislativos país afora. Não que haja problema em estabelecer correções, mas remediar ainda é um recurso comum em detrimento do prevenir. O PL que garante o fornecimento gratuito de água é apenas mais um deles. Mas há outros.

A Lei 13.425/17, que ganhou a alcunha de Lei Kiss, estabelece diversos procedimentos que os proprietários desses locais devem tomar, incluindo a obrigação de deixar afixados, em local visível ao público, o alvará de funcionamento da casa e a capacidade máxima de pessoas. Além disso, a lei também define os casos em que os órgãos públicos podem ser penalizados por emissões indevidas de alvarás e permissões de funcionamento.

A Lei Maria da Penha, que busca coibir a violência doméstica contra a mulher, e a Lei Carolina Dieckmann, que pune autores de crimes cibernéticos, são outras legislações que nasceram da insuficiência de respostas de empresas públicas ou privadas em situações específicas. Este é o peso do PL 6.096 para o Código de Defesa do Consumidor e para a sociedade de modo geral.

A partir da sua sanção, o CDC, que já é uma referência internacional, tende a se tornar ainda mais robusto no combate ao descaso de empresas contra os consumidores. Ao mesmo tempo, pode gerar a conscientização popular sobre os direitos de quem frequenta um grande evento, abrindo os olhos das autoridades e dos próprios promotores do espetáculo sobre o que se considera o mínimo de respeito ao público.

Nesta óptica, a fatalidade que envolveu Ana Benevides deve se converter numa lei que representa um avanço aos direitos sociais. Mas é preciso que os espaços que recebem multidões de pessoas em shows e eventos se antecipem a esses acontecimentos. Não é necessário que outras vidas se percam para fortalecer as leis brasileiras. O respeito aos cidadãos deve ser a principal premissa para que a lei se desenvolva, e isso pode ser feito a partir de já.

*Advogada do escritório Montalvão & Souza Lima Advocacia de Negócio

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