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Segunda-Feira,25 de Novembro

Para onde ir?

Mara Narciso - Médica e jornalista
01/01/2019 às 21:51.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:50

Muitas perguntas me assaltam diante de pessoas desafortunadas, no desamparo, na doença, na miséria. Meu coração sensível se machuca de uma forma demagógica, inoperante, que sofre inutilmente e nada faz. O espírito humanitário de cristã aparece, mas, apenas repito mentalmente o mantra “eu deveria fazer alguma coisa”, numa quase oração inócua, mas que me alivia o espírito ávido por justiça social, porém egoísta e acomodado.

Há algumas semanas tenho visto, no caminho do trabalho, um senhor de barbas brancas, em situação de rua. Na primeira vez, estava sentado sobre as pernas, fazendo a sua higiene matinal diante de um caco de espelho. Ele não deve se preocupar com a idade que tem, mas seria algo entre a sexta e sétima década. A parede ao fundo do seu toalete imaginário é azul. O prédio está abandonado, desocupado há anos. No canto, há algo parecido com um antigo canteiro, e sobre esse espaço há caixas, que, arrumadas, parecem disfarçar algo valioso, talvez algum pertence desse homem. Estão sobre uma espécie de pedestal. No chão existe outra caixa com a abertura voltada para seus joelhos. Certamente guarda objetos pessoais, que do carro, não consigo ver. Esta mirada me enternece, porque percebo que a pessoa abandonada penteia a barba longa e branca, que recobre seu rosto encovado, e reparo no seu cabelo comprido. Bochecha um gole d’água, enquanto lava o rosto. Existe vaidade, uma vontade de resgatar sua humanidade.

No outro dia vi que estava dormindo sob uma cobertinha quadriculada precária. Adiante, reparo que some durante o dia, para voltar na hora de dormir. Nunca o vi preparando comida e nem pedindo dinheiro no sinal. Vive solitário e ninguém fala com ele. Também nunca o vi de pé.

Há um trânsito acelerado. O sinal do cruzamento de duas movimentadas avenidas e uma rua de acesso a bairros da ala nobre da cidade tem vários tempos e se pode olhar, ver e apreciar, mas não dá para parar. Estou apressada, vivendo minha medíocre vida, não posso estacionar para dar apoio, me condoer efetivamente com o desastre de se estar ali jogado. Não sei o que é não ter um lugar para ir, nem comida, nem como se safar da chuva, que, abundantemente presenteia nosso sofrido Norte de Minas, depois de sete anos de seca. É o segundo verão de precipitação regular. Alguns respingos frios já me incomodam e busco abrigo. O que é estar direto ao relento? E o banho? Nem dá para imaginar.

Depois de várias semanas de observação, ontem o homem deixava o local. Estava com roupas limpas, e levava uma mochila pesada sobre o abdome. Vi que se deslocava para a frente, na posição horizontal, como uma aranha. Descobri que não consegue andar, devendo ser portador de alguma deformidade grave, e não tem cadeira de rodas. O impacto da imagem me comoveu. Fiquei pensando no meu egoísmo. “Está com dó? Leva pra casa”! Não é o que dizem?

Hoje de manhã, o homem não estava lá. Pode ter se mudado, ou talvez volte quando o período de chuva passar. Quem pensa que é importante por ter posses, e quem se acha bom por se condoer com o outro, precisa melhorar muito, para ser realmente gente. Pensar e até escrever sobre humanização, não mudam nada. Espero que esse relatório pelo menos nos faça pensar.

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