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O tempo passa e leva nossas memórias

Gregório José*
Publicado em 21/06/2024 às 19:00.

A vida é tecida por momentos que, com o tempo, se tornam fios esquecidos em um vasto tapete de experiências. O que hoje consideramos mundano e insignificante, amanhã poderá ser uma vaga lembrança, uma sombra do que foi vivido. Somos colecionadores de momentos e, ironicamente, também os maiores esquecedores de nossa própria coleção.

Quando éramos crianças, cada dia parecia uma eternidade recheada de aventuras. Lembramos com nitidez o cheiro do bolo na festa de aniversário, a sensação de correr descalço pela rua até o cair da noite. Mas, em algum ponto, deixamos de notar quando foi que nossa mãe organizou a última festa de aniversário. Sem perceber, as brincadeiras na rua se tornaram esporádicas até desaparecerem por completo, substituídas por outras responsabilidades, outras distrações.

Com o tempo, o cotidiano absorve esses momentos de maneira quase cruel. As memórias dos colegas de escola, daqueles com quem compartilhamos risos e preocupações infantis, desvanecem como um sonho ao amanhecer. Não lembramos mais quando combinamos de brincar no dia seguinte e, por algum motivo, não comparecemos. Aquele último olhar trocado, aquela última promessa não cumprida, são soterrados pela avalanche do tempo.

Os objetos que nos cercavam, que pareciam tão importantes, também desaparecem sem alarde. Os pôsteres do quarto, as figurinhas do álbum que nunca completamos, os Tazoos que colecionamos com tanto zelo, tudo acaba por se perder ou ser descartado. E, em algum momento, encontramos conforto na parede vazia ou no quarto reorganizado, sem nem mesmo recordar o ato de desapego.

Quem se lembra da última vez que pegou o telefone fixo para ligar para alguém? Ou do último uso do orelhão na esquina da rua? Esses artefatos, outrora centrais em nossas vidas, são agora relíquias de um passado distante. A última mensagem de fax, o som familiar de um modem discando, tudo isso foi engolido pelo progresso tecnológico que, ironicamente, apagou parte da nossa história.

Nas tardes de nossa juventude, frequentávamos Lan Houses para jogar ou navegar na internet, conversar com amigos no Orkut. E, em algum momento, simplesmente deixamos de ir. Não nos damos conta de quando foi a última vez que entramos em uma locadora para escolher um filme, seja em fita VHS ou DVD. Os atores, os enredos, tudo isso se perdeu na bruma do esquecimento.

Esses lapsos de memória não são sinal de um esquecimento patológico, mas sim da natureza efêmera da vida. Somos feitos de momentos que se acumulam, se sobrepõem e, muitas vezes, se apagam. Cada lembrança que desaparece deixa espaço para novas experiências, novos momentos que, por sua vez, também se tornarão nebulosos com o passar do tempo.

A transitoriedade desses instantes é parte integrante da nossa existência. E talvez haja beleza nisso. Cada momento esquecido não é apenas uma perda, mas um reflexo do constante movimento da vida. Vivemos, acumulamos, esquecemos e continuamos a viver. A efemeridade nos ensina que a vida é feita de ciclos, de começos e fins, de momentos que vêm e vão.

A memória é um campo seletivo, moldado tanto pelo valor subjetivo que damos aos nossos dias quanto pela capacidade limitada de nosso cérebro em armazenar o infinito. Não estamos condenados a lembrar de tudo, nem devemos nos lamentar por aquilo que esquecemos. Em vez disso, devemos reconhecer que a beleza da vida reside na impermanência, no fato de que cada momento, por mais trivial que seja, contribui para a tapeçaria única da nossa existência.

E assim, seguimos adiante, carregando conosco apenas o essencial. Talvez o valor real não esteja nas memórias que conseguimos manter, mas naqueles pequenos e preciosos momentos que, por alguma razão, permanecem gravados em nosso coração, lembrando-nos de que, em algum ponto do tempo, vivemos intensamente, amamos profundamente e, mesmo sem perceber, deixamos marcas indeléveis na história de nossas vidas.

*Jornalista/Radialista/Filósofo

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