Morrer

Mara Narciso - Médica e jornalista
08/01/2019 às 06:18.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:55

Morrer é tão simples que acaba sendo estranho o decantado medo de morrer. Estar morto não é deixar de existir, é apenas não ser. Tem diferença entre essas duas afirmativas? Quem está morto, não sabe que está. Porque não pensa e, se não pensa, não existe. É como estávamos antes de nascer.

A morte é algo tão terrível para a cultura ocidental que chega a ser assunto proibido. É ver um título desses para se passar longe. Li pouco sobre a morte, não filosofo sobre o tema, apenas perco montes de pessoas queridas e, pelo andar da fila, sinto a proximidade da minha vez. Queria poder falar de uma maneira universal, mas só sei falar no varejo, no debulhar do milho, na pequenez da minha mente.

Não uso do recurso religioso e acho infantilizada a maneira de pensar em um céu, em um encontro post mortem, em um além fantasioso. A existência do andar de cima, o céu ficar em festa quando chega mais um... Desculpem-me, mas não creio nessa possibilidade.

Morreu? Acabou. Apenas enquanto existir quem conheceu a pessoa morta, ela viverá na memória de quem ficou. Depois que o último se for, adeus. A menos que a pessoa tenha feito obras importantes ou tenha sido um grande vulto.

Morre-se um pouco a cada dia. Um dia a mais é um dia a menos. Mas por que nos apegamos tanto às nossas medíocres existências? Elas seriam de fato esse bem tão valioso quanto apregoamos?

Pagou com a própria vida. Foi sua sentença de morte. E outras terríveis afirmativas amedrontam. Morrer é como desligar um aparelho da tomada. Ele apaga e só. Mas e a essência humana? Para onde ela vai? Ela existiria mesmo? Alma, espírito, tanta gente acredita nessas entidades. Tem um séquito de seguidores da crença de que os espíritos evoluem a cada encarnação. São convictos disso. O que não nos faltam são pessoas com estranhas convicções.

Para reduzir seu temor pela morte, o ser humano inventa coisas e assevera que tudo pode ser provado. Nem seria preciso citar a frase de que “ninguém voltou para contar”. Meu ceticismo me impede de aprofundar em estudos a esse respeito. Apenas acho improvável e me fecho. Isso é mau, isso é bom? Desconheço a resposta.

Entendo como mexer em uma caixa de marimbondos questionar crenças ou contradizer seus dogmas. Não ouso fazer isso, mas sinto na pele que não crer é vergonhoso. Muitos não creem, cerca de 10% da população é incrédula, mas omitem por conveniência. Não acreditar em nada, como é o meu caso, desde os 16 anos (tempo enorme para pensar, ler, refletir), horroriza os demais e desperta pena. Os crentes sentem estar em um estágio superior aos não crentes. E não apenas isso. Desprezam ateus e para eles é desafiador resgatar a ovelha perdida, catequizar, converter. Imaginam que o descrente está na escuridão, que é um infeliz.No meu caso, descrer não é desconhecer a religião. Foi até por isso que me afastei dela: excesso de exposição nos 10 anos estudando em colégio de freiras e três anos em colégio de padres. A casa da minha mãe era cheia de anjos, santos e velas acesas. Lamento dizer que não me importo com o que pensam, apenas com o que fazem. Portanto não gastem tempo comigo. Não reze por mim, Brasil.

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