Em torno de si mesmo

Wendell Lessa
wendell_lessa@yahoo.com.br
21/05/2021 às 00:03.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:59

 Nossa consciência parece querer habitar o mundo e compreendê-lo completamente, mas quase sempre não conseguimos entender que não cabemos inteiramente nele e as nossas limitações são altamente positivas. Ao desejar nos unir ao mundo e à sua natureza por meios finitos, tornamo-nos prisioneiros das coisas criadas e reduzimos tudo o que somos a quase nada. 

Ainda mais sufocante é pensar que o conhecimento de si mesmo se dá apenas quando a pessoa se volta para si numa tentativa desesperada de encontrar o seu lugar na existência. Não é à toa que o “conhece-te a ti mesmo” se tornou dogma religioso em muitos círculos humanistas. Mas ele é uma farsa, especialmente quando usado para justificar teorias humanistas.

O conhecimento de si não é possível sem que a pessoa olhe para algo maior e externo a ela. Mesmo no senso comum é fácil saber que para se ter uma compreensão adequada de qualquer objeto é preciso estar a certa distância dele, a fim de ampliar o raio de visão e ser capaz de analisar alguns detalhes que a proximidade exagerada pode obscurecer. 

Então, como é possível alguém encontrar a si mesmo dentro de si mesmo? Seria como uma esfera tentar olhar para ela própria pelos seus dois lados: o interno e o externo. Mas eles estão em uma posição que torna impossível a análise. Como olhar o interior com o próprio interior? Sendo assim, as teorias que pretendem olhar o homem a partir do próprio homem parecem carecer de humildade, porque se envaidecem de uma suposta capacidade racional de dizer o que é algo sobre o qual não se pode dizer – pelo menos por esse ângulo observado. É preciso uma visão mais ampla do homem para definir o que ele é e sua relação com o mundo e a realidade. 

A proposta judaico-cristã parece ser a que mais consistentemente oferece resposta a esse problema do autoconhecimento humano. Sua proposta define o homem como um ser criado por Deus à sua imagem e semelhança, com distinção das demais criaturas, e que recebeu mandatos bem definidos (espiritual, social e cultural) para que cumpra sua “missão” neste mundo, de modo a encontrar-se consigo e com o seu Criador. O homem tem identidade e propósito, portanto. Ele é imago Dei (imagem de Deus) e deve viver coram Deo (diante da face de Deus), para a glória do próprio Deus e não para sua própria glória. A razão de ser não é a sua própria felicidade autônoma, mas uma felicidade derivativa que repousa no ser que afirma quem o homem e qual é a sua missão.

Assim, o cristianismo opera no sentido de dignificar a existência do homem, dando-lhe identidade e propósito bem definidos. Quem se vê a partir dessa perspectiva não se perde em infinitas teorias subjetivas e ineficazes, mas encontra repouso para sua consciência atribulada e cansada, e faz eco às palavras de Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti” (Confissões).

*Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil
Professor Efetivo do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG)

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