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Quarta-Feira,23 de Outubro

Como é que se fala?

Mara Narciso - Médica e jornalista
18/06/2019 às 07:08.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:09

– Acabo de construir a minha casa!

– Você é construtor?

– Não. Sou bancário.

Pode não ser coisa de todo o Brasil, mas, onde convivo, ouço frases como do exemplo acima, e ninguém estranha esse modo inverso de falar. Outros casos: ontem eu me consultei; dia dez minha mãe fez plástica. Poucos falarão: tive minha casa construída pelo construtor; o médico foi consultado por mim, ontem; dia dez minha mãe foi submetida à cirurgia plástica. A pessoa não executa a ação, mas a sofre. É um sujeito passivo. Mas a população e eu continuamos falando errado, na ordem inversa, e quando achamos estranho, nem pensamos em colocar o sujeito em seu devido lugar. O hábito nos vicia, e depois do caso feito, ninguém costuma pensar em se corrigir. Depois, quando quiser reparar as décadas de português mal falado, não tenta se consertar. Vícios ou desinformações sobre a linguagem constroem caminhos errôneos em nosso raciocínio, e depois, pouco há para fazer.

Em inglês a pessoa deve dizer assim: meu gramado foi aparado há dez dias. Caso partamos para o mesmo linguajar, soará falso. Pelo menos por aqui, no Norte de Minas, ficará pernóstico declinar: no próximo mês terei a minha casa pintada, quando o comum é dizer, pintarei minha casa na próxima semana. Afinal, cada um em seu quadrado, cada pessoa aprende um ofício e passa décadas executando-o. Raros exercem mais de uma profissão, excepcionalmente de forma simultânea e geralmente sequenciais, caso venham a ocorrer. Enjoa de uma coisa e parte para a outra.

Sou admiradora do português, e saber mais um pouco, me faz bem. Sou fã de pessoa inteligente, que conhece a Língua Pátria, que usa a linguagem de forma fluida, fácil, achando as palavras com naturalidade, e por isso mesmo encantando quem a ouve e lê. Admiráveis cérebros. É muito bom ver e ouvir uma boa massa cinzenta funcionando. E nos fazendo deleitar com a sonoridade das palavras e o significado da sua argumentação.

E assim, vamos aprendendo com esses ases do português, que pintam e repintam, sem repetir na escolha das palavras. Não chegam tanto quanto é preciso para a tessitura de poemas, mas se avizinham desse local criativo. Esses grandes oradores passam longe de dizer que “eu consertei meu carro hoje”. É feio falar errado, mas mais feio ainda é corrigir quem faz isso, exceto se estiver no seu papel de professor, ou se a pessoa permitir expressamente essa correção.

Esse tema me deixou com dúvidas, especialmente sobre “amanhã eu vou me consultar”, como se eu detivesse o saber e fosse a consultora e não o médico que me fornecerá a consulta. Eu não vou ser consultada, eu vou consultar ao médico.

Em relação aos erros crassos, e são muitos, que eu cometi, cometo e cometerei, a crítica me serve muito, mesmo que, na hora seja dolorosa. No finado Orkut, escrevi “exitei”, agarrada em êxito (vergonha!) em lugar de hesitei. Noutra ocasião escrevi “quizer”, e aos 18 anos eu escrevia “atraz”. Os corretos são quiser e atrás. Perdi as aulas de vírgula, do porque, de esta e essa, e outras. Na correção do texto, me mantenho atenta para melhorar. Espero estar conseguindo, e quem sabe, contribuindo para que outros aprendam junto comigo.

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