Aposentar-se: realização dos Sonhos?

Wanderlino Arruda*
29/01/2019 às 06:20.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:17

Aos poucos, quando, para muitos, vem chegando o final da carreira, é importante pensar na tão sonhada situação de aposentado, fazer o exame de consciência necessário para interpretá-la compreendê-la, e/ou saboreá-la por antecipação. Parece que não há trabalhador que não sonhe com o que chama de merecida aposentadoria, o antigo otium cum dignitate. Conheço gente que tem quatro ou cinco anos de carteira assinada e já fala nos dias em que não mais terá de cumprir horário todas as manhãs. Aquela vocação de quem não nasceu para as amarras do assalariado, que todo empregado sempre teve, seja humilde, seja grã-fino.

De mansinho, vem a ideia de interpretação, o especular se realmente a aposentadoria é mesmo prêmio. Não sei se o ócio não representa mais um castigo, algo de punição para modificar hábitos, desorganizar arraigados modos de vida, avacalhar o coreto do dia-a-dia dos trabalhadores e das famílias.

Já imaginou quando, de uma hora para outra, não tem o que fazer? Sabe lá o que é ficar o dia todo dentro de casa vivendo sem pressa, desarrumando e arrumando papéis velhos, molhando jardim, passando a toda hora perto das panelas na cozinha, beliscando, comendo antes do horário? Ou, de forma diferente, tendo de viver o dia todo no Quarteirão do Povo, de pé em frente ao Café Galo ou sentado nos duros bancos, conversando as mesmas conversas, “resolvendo” eternamente os mesmos problemas que os governos nunca resolvem? Francamente, estimado(a) leitor/leitora, não sei!

O conselho de quem sabe e já passou pela experiência é que o problema menor do aposentado ainda é o dinheirinho sempre menor do que o mês. Nesse até que se dá jeito. O que precisa ser suportado com galhardia é o descompasso violento entre algumas obrigações e a ociosidade.

Há de haver uma preparação espiritual para receber os acontecimentos nunca como castigo, de saber o descobrir regalias e interpretar tudo como merecido prêmio, abrir opções de lazer, visitas possíveis que não incomodem os visitados, prática de alguns esportes também possíveis e, sobretudo, a consciência do que não pode ou não deve ser feito. Em todo caso, vejamos alguns pontos positivos para os aposentados, nas palavras de um colega de muita experiência no assunto.

O primeiro e mais agradável é a desobrigação dos horários e da responsabilidade de sentir-se peça importante de uma máquina que nunca para, servidão do relógio, disciplina empresarial ou funcional, ou simplesmente administração do tempo. Depois, há os favorecimentos da liberdade do ir e vir, do alimentar-se, do dormir na hora que mais convém, do não ter pressa, de ter todos os dias como domingos e feriados, do direito de tomar sol ou esconder-se do frio. Melhor, do viajar, de chegar e sair sempre sem pedir licença.

Assim é a vida. Até as coisas boas trazem problemas. Se nos preocupamos tanto com o muito fazer, por que esquentar a cabeça com o dolce far niente? Melhor aprender a suportar a realização dos sonhos. Isso, afinal, até que é bom! Uma informação: o texto vale como conversa de quem se aposentou em 1990, com 40 anos de carteira. Sou do tempo em que adolescente tinha mais é que trabalhar.

*Escritor, advogado e professor

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