A magia dos olhos

Wendell Lessa
wendell_lessa@yahoo.com.br
26/05/2021 às 00:16.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:01

Podemos entender assim: aquilo que aparece diante de nós – seja um objeto, uma pessoa, um conceito – sempre transmite um significado. Ele é um fenômeno. É algo que surge à nossa frente e para o qual dirigimos o nosso olhar, seja o olhar físico ou afetivo. Por vezes, podemos ignorá-lo como não sendo algo significativo, até sermos afetados por ele. Uma pedra, por exemplo.

Eu sempre me impressiono quando leio a instrução de Jesus Cristo no seu sermão do Monte, definindo os nossos olhos como uma lâmpada reveladora de nossa identidade e da compreensão que temos de Deus, de nós mesmos e do mundo. Ele disse: “São os teus olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas” (Mateus 6.22-23).

Podemos entender assim: aquilo que aparece diante de nós – seja um objeto, uma pessoa, um conceito – sempre transmite um significado. Ele é um fenômeno. É algo que surge à nossa frente e para o qual dirigimos o nosso olhar, seja o olhar físico ou afetivo. Por vezes, podemos ignorá-lo como não sendo algo significativo, até sermos afetados por ele. Uma pedra, por exemplo. Em um primeiro momento, ela é apenas uma pedra, um ser inanimado. Mas ela pode ser aquela pedra contra a qual esbarramos o nosso dedo; ou aquela pedra decorativa de nosso móvel; ou uma pedra mágica; além de ser “a pedra no meio do caminho”, drummondiana, que provoca sentimentos diversos, inclusive, o de angústias existenciais que se tornam obstáculos para nós.

O mesmo objeto, diversos sentidos. Isso torna os nossos olhos ainda mais importantes no processo de leitura da realidade. Uma miopia interpretativa pode prejudicar a nossa visão futura das coisas e nos tornar imediatistas e obcecados por tesouros desta vida, como se eles fossem os únicos bens que devemos desejar. Do mesmo modo, um astigmatismo interpretativo, uma condição oftalmológica e também existencial muito comum, pode nos dar uma imagem bastante distorcida da realidade, tanto das coisas presentes quanto das futuras. 

Jesus conhecia os seus discípulos e sabia que muitos deles poderiam compreender distorcidamente muitos dos seus ensinos – o que de fato aconteceu, como podemos perceber na sequência dos relatos neotestamentários. Por isso, ele os preveniu, em seu sermão inaugural, quanto ao perigo de sermos traídos em nossas convicções por ideias falsas projetadas em nossas retinas conceituais astigmáticas. Ele sabia que muitos dos seus seguidores se concentrariam nos benefícios momentâneos e se esqueceriam de que a verdadeira mensagem evangelística aponta para o futuro.

É certo que ao fixarmos demasiadamente os nossos olhos nos tesouros deste mundo corremos sérios riscos de nos frustrar e de perdemos o brilho fundamental da existência e o valor real da humanidade. Nunca devemos nos concentrar demais no que é temporário. Há valores solenes e perenes que precisamos enxergar no nosso dia a dia. É preciso cultivar o que é eterno, não as coisas que são passageiras. Aquilo que é temporário pode prometer satisfação imediata, mas nunca será suficiente para atender às demandas profundas do nosso coração. Precisamos olhar com precisão, como por um microscópio, a verdadeira essência e o real sentido das coisas. Precisamos aprender a cultivar a magia dos olhos.

(*) Professor Efetivo do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG

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