A liturgia do brejo

Gaudêncio Torquato*
15/03/2019 às 06:52.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:48

Tem motivos o presidente da República para se indignar com uma cena escatológica, dessas que assustam o interlocutor que a ela teve acesso? Sim, a indignação é uma reação natural a quaisquer atitudes ou cenas que fogem ao senso comum e que, pelo inusitado dos fatos nelas descritos, entram no dicionário das aberrações. Tem motivos o mandatário número um do país para passar adiante a cena que tanto o indignou, massificando a imagem junto a mais de 3,4 milhões de seus seguidores em uma rede social? Não.

Jair Bolsonaro espalhou em uma das redes sociais o vídeo em que um homem dança sobre um ponto de ônibus após introduzir um dedo no próprio ânus, seguido de outra cena em que um deles abre a calça e urina na cabeça do outro. Sob o argumento de “expor a verdade” à população, acentua: “É isto que tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro”.

A atitude do capitão reformado gera inconvenientes. Permite a milhares de seguidores, entre os quais jovens, acesso a um vídeo que não teria sido visto por eles. Que impacto a imagem causaria a esse público? Usar o Twitter como meio oficial de transmissão de informações, diretrizes e interpretação pessoal sobre o cotidiano constitui uma decisão incompatível com a posição de um dirigente de nação.

O comandante do Poder Executivo é quem detém o cargo de maior proeminência. Guia-se por um liturgia, um exercício que o obriga a cumprir ritos, cerimônias e atos variados, não podendo a eles escapar sob pena de gerar desvios na rota que lhe é imposta. Tem que obedecer a essa liturgia.Se queria fazer uma denúncia, ao veicular o vídeo da “golden shower”, poderia ter pedido providências aos órgãos de policiamento.

Ao não traçar uma fronteira entre público e privado, o presidente ingressa num cipoal de críticas. O Carnaval deste ano gerou 20 milhões de empregos temporários e R$ 7 bilhões nas contas do comércio e dos serviços. Com seu gesto Bolsonaro acirra ânimos ainda nervosos do pleito passado, contribuindo para o tiroteio entre exércitos favoráveis e contrários. O Brasil pós-Carnaval, é pena, sobe ao palanque.

Jornalista, professor titular da USP e consultor político

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