Aquecendo a pleura - por Itamaury Teles

Jornal O Norte
Publicado em 17/09/2007 às 11:54.Atualizado em 15/11/2021 às 08:16.

Itamaury Teles



O tempo que medeia o final do mês de junho e início do mês de julho é de especial significado em Montes Claros. É época de festa junina no Pentáurea, de exposição agro-pecuária, e do aniversário da cidade.  Mas, é sobre a primeira que pretendemos conversar...



O Clube Campestre Pentáurea foi inaugurado em 1957, justamente no ano em que Montes Claros comemorava os 250 anos do fato que marcou a sua fundação: a obtenção do Alvará da Sesmaria da Fazenda dos Montes Claros, por  Antônio Gonçalves Figueira.



Naquela ditosa era, instituiu-se concurso para a escolha do melhor nome para o novo clube e o ganhador foi o Padre Joaquim Cesário dos Santos Macêdo. Ele justificou sua sugestão como uma homenagem aos duzentos e cinqüenta anos de fundação da cidade, daí Pentáurea, fusão dos vocábulos “penta” e “áurea”, ou seja, cinco ouros ou, para ser mais específico, cinco bodas de ouro.



A festa de São Pedro do Pentáurea é hoje considerada uma das maiores e mais tradicionais festas juninas do País, cuja fama se espraiou para além das fronteiras das Gerais, atraindo turistas das mais variadas partes.



Na segunda metade dos anos 80 do século passado, quando era gerente de banco em Montes Claros, fiz parte do Conselho Fiscal do Pentáurea.  E, como é tradição, todos os membros da diretoria e dos conselhos trabalham nessa noite de festa.



Para mim e para o João José Gomes, meu companheiro de Conselho, fora reservada a “importante e estratégica” tarefa de distribuição de guloseimas, em um quiosque coberto de palhas de coqueiro, em frente à sede social. Assim, enquanto o João operava um grande e fumegante bule, servindo quentão aos associados, eu distribuía pé-de-moleque e pipoca...



Naquela época, só havia um inconveniente na festa: a enorme fila de automóveis e a demora para se chegar ao estacionamento. Mas havia algo compensador, pois se sabia, de antemão, que ali, com certeza, encontraríamos diversos amigos circulando pelas alamedas do clube. Ou comendo arroz com pequi nas barracas. Ou com os porta-malas dos veículos sempre abertos  para receberem os comensais de um pernil assado ou farofa de frango. Ou mesmo degustando um copo de “vaca atolada”, um caldo de feijoada ou  uma dose de cachaça de Salinas, para afugentar o frio cortante no topo da serra de Bocaiúva. Ou dando “vivas” a São João, Santo Antônio e  ao São Pedro, no levantamento do mastro em honra ao padroeiro da festa. Ou namorando nas cercanias da grande fogueira, habilmente construída em formato de torre piramidal, que crepita com estrépito, lançando fagulhas iluminadas que despencam do alto feito estrelas cadentes... A festa era uma oportunidade única de revermos muitos amigos em curto espaço.



Nos últimos anos, todavia, a festa do Pentáurea mudou muito. Ficou grandiosa demais, profissional demais, organizada demais... E os amigos que lá encontrávamos, com facilidade, estão cada vez mais raros.



Para que possam entender esse meu desabafo saudosista, relatarei o que ocorreu comigo na última vez que lá compareci, faz mais de três anos.



Cheguei ao clube por volta das 22 horas e, sem perda de tempo, fui fazer o  percurso tradicional, passando pelas barracas e, surpreendentemente, a ninguém reconheci.  Dali, fui ao ambiente onde o sanfoneiro Dominguinhos puxava o fole de oito baixos e o povo dançava forró. Também não vi conhecido algum. Depois, passei por mais dois outros ambientes de dança e o resultado foi o mesmo. Só vi estranhos...



Já ia retornar para dormir dentro do carro, quando avistei dois senhores sentados em um banco, na parte de trás da sede social. Esquentavam as mãos espalmadas numa pequena fogueira, alheios ao movimento em derredor. De longe, não pude reconhecê-los, mas quando me aproximei senti um misto de alegria e tristeza. Alegria, por encontrar dois velhos amigos: Sabará e Ricardo Gabrich. Tristeza por perceber o lugar que nos é reservado naquela festa, nessa altura da vida:  em torno de uma fogueira, aquecendo a pleura, para não contrair pneumonia.



De vez em quando, recordo-me desse episódio e – por absoluta impossibilidade de alterar o curso das coisas – rio  sozinho. É melhor que chorar...

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