Apenas duas cascas de banana caturra

Jornal O Norte
07/01/2009 às 10:40.
Atualizado em 15/11/2021 às 06:49

Mara Narciso


Médica e acadêmica de Jornalismo da Funorte


 


Quando a minha mãe queria reafirmar convicção e coragem em situações extremas, recorria às, na época, chamadas “varredeiras de rua”. Dizia: “nem que eu tenha de varrer rua para a prefeitura...”. Considerava o serviço pesado, e de fato era, debaixo do nosso sol de verão permanente. A função humilde era muito discriminada, como é ainda hoje.

Renomeados de garis, em homenagem ao empresário francês Aleixo Gary, que criou de serviços de limpeza urbana do Rio de Janeiro, os funcionários dessa limpeza continuam tão invisíveis quanto antes.

Houve uma época um concurso para gari onde se fazia necessário o curso superior.

Filas se formaram em busca desse emprego, já que o salário oferecido era atraente. Ainda vista por muitos como uma profissão humilhante, os garis usam uniformes amarelos de mangas longas—pelo menos aqui em Montes Claros—, para serem bem vistos pelos motoristas, além de luvas de couro, chapéu de abas largas, e outros acessórios de proteção. Vai uma turma da frente com as vassouras, executando a varrição e fazendo montinhos. Na seqüência vem a turma com os carrinhos e as pás, recolhendo o lixo. Também limpam as lixeiras públicas, entornado-as dentro desses mesmos carrinhos. Andam em grupos para o serviço render. Só não podem olhar para trás para não desanimarem, pois mal varrem e já há mais lixo para ser recolhido.

Uma vez obtive a informação de que a orla de Copacabana era varrida 18 vezes ao dia. Isso acontece porque as pessoas acham muito cômodo, simplesmente arremessarem pelas suas janelas o que não querem dentro das suas casas ou carros. Quando foi proibido jogar objetos das janelas dos automóveis, a Rede Globo mostrou, num sinal de Brasília, a Deputada Federal e jornalista Rita Camata, descendo do carro e jogando no meio da avenida vários papéis. Ainda hoje sinto vergonha por ela.

Não gosto de ver gente sujando as ruas. Muitos pensam que só mais um papel não fará nenhuma diferença. Deveria haver pesadas multas para quem se atrevesse a emporcalhar o que é de todos. É preciso respeitar os que moram na nossa cidade, e mais do que isso, é preciso respeitar quem faz esse serviço.

Presto sempre atenção aos que executam a limpeza. Há poucos dias, passava de carro por um bairro de Montes Claros e vi quatro garis uniformizados. Iam dois na frente varrendo e logo atrás outros dois recolhendo os montinhos de lixo. Eram dez horas da manhã e os dois de trás pararam para fazer um lanche. Decidiram comer duas bananas caturras cada um. Debaixo do avarandado de um bar, no meio da calçada, carrinhos encostados em frente, junto ao meio fio, tiraram as luvas de couro e começaram a comer. Boca cheia, cara de fome sendo saciada, e duas cascas de banana caturra, para o meu espanto, foram atiradas bem no meio da rua. Pasmem, acabada de ser varrida por eles mesmos: uma rua louca varrida!

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