Márcio Adriano Moraes
Professor de Literatura
Eras um rio cujas águas límpidas refletiam tua pureza triunfal, digna da perfeição divina. Eras um céu de cor celeste cujas nuvens alvas intensificavam tua inocência e suavidade. Eras uma flor, daquelas cujo perfume embriaga de alegria as narinas que almejam à paz. Eras o equilíbrio, a sensatez, o elo entre Deus e a humanidade. Eras detentora de um lar impenetrável, um ventre farto de alimentos para uma vida em formação. Eras o colo aconchegante que cobrias o ente; e tu te despias somente para aquele que no dedo te punha o anel. Eras... Eras...
Mas o Eros Humano transformou tuas águas em lodo. O rio translúcido que tu eras tornou-se uma enorme poça de lama incapaz de saciar quaisquer sedes. O manto celestial colorido de nuvens que eras tornou-se noite. O sol que brilhava dentro de ti cedeu lugar à lua que não possui brilho próprio, dependendo sempre do outro para se refletir. A flor, símbolo de beleza e amor natural, ícone de contemplação, já que se tocada desbota, desabrochou e virou fruto. Já não te enxergam mais uma flor, e sim como um fruto; já não querem te contemplar, querem te devorar. Teu perfume é agora odor. O lar impenetrável que trazias no ventre é vítima de violação. Seres e objetos o invadem e expulsam com veemência seus inofensivos moradores em formação. Teu colo se estressou, e agora despes para todos que nas mãos enchem-te de anéis.
Queria ver teus cabelos naturais, sem a força bruta dos cosméticos. Queria ver teu corpo modelado à costela de Adão, somente trabalhado pelas mãos do oleiro Eterno, não este corpo que te obrigam a ter, somente para satisfazer os olhos deles e não os teus. Queria imaginar-te por trás de tecidos suaves, alimentar meus sonhos; porque sonhar é ter a certeza de estar vivo mesmo de olhos fechados. Tu, porém, queres estar naquelas telas enormes e em pedaços de papéis mostrando-te a olhos que nem te conhecem e que só querem consumir-te. Queria poder andar na rua e não ser tentado por ti. Queria ver a luz viva e cintilante dos teus brincos nas tuas aurículas que me obrigam a te olhar na altura dos olhos. Não quero abaixar minha cabeça para apreciar esses mesmos brincos que tu os pões naquela cicatriz resultante da queda do cordão que ti alimentou no ventre materno. A verdade é que não te olharei na altura dos olhos e muito menos apreciarei os teus brincos; os meus olhos concentrar-se-ão em outros brilhos.
Mas tu não és culpada. É claro que há um pouco de ti. Mas o mundo em que vivemos quer que tu sejas assim, vitrine. Tu que outrora eras conhecida como frágil, submissa, e que ergueste o estandarte da igualdade, és submetida aos gostos dos olhares e das aparências. Danças um ritmo ao som de uma letra isenta de poesia que te tratas como um canídeo. O mais triste é que tu ris quando te tratam assim.
Perdoem-me o desabafo maçador, mas vós que não agis dessa forma são dignas de louvor e aplausos. Vós que continueis como rios límpidos, preservando vossas almas e corpos, sois o acalento para as mentes que zelam pela moral e bons costumes. Mas tu, tu que estás nesta vida desregrada, ergue-te da lama.
Queres um exemplo para olhar? Há muitos anos, Ela foi vista como o mais puro ser da terra. Por sua pureza, foi digna de receber no seu interior a maior dádiva concedida à sua natureza, carregar em seu corpo o Eterno. Ela foi o elo entre o Céu e a Terra, foi a ponte translúcida e virginal. Sua vida foi transpassada de alegrias e tristezas. Ela jamais deixou que o lodo mundano tomasse conta de seu ser nem de seu descendente. Ela sempre foi uma flor, Ela sempre foi e continua sendo uma Rosa, uma Rosa Mística. Ela é o equilíbrio, Ela é a prova de que tu podes ser bela só por ser tu mesma. Enquanto tu destróis teu fruto ainda dentro de ti; Ela viu seu fruto ser crucificado.
Ela foi um rio e sempre será pura. Ela foi uma flor e sempre será flor. Ela foi fiel e sempre será fiel.
Vós que sois um rio, sejais sempre puras. Vós que sois uma flor, jamais vos torneis vãos frutos. Vós que sois fiéis, sejais sempre fiéis.
Tu que foste um rio, e agora és esgoto; purifica-te aos pés da Virgem. Tu que foste uma flor e já não queres mais ser devorada; cubra-te com o manto da Virgem. Tu que foste fiel, mas és hoje instável; segure nas mãos da Virgem e deixa Ela te guiar. Tu que eras, sejas como vós que sois semelhantes a Ela!