Adilson Cardoso *
1º de dezembro é o dia internacional de combate à aids. Data em que autoridades de diversos setores se unem em nome da conscientização sobre essa patologia que vem crescendo assustadoramente, não respeitando limites de idade cor, sexo ou padrão social. Depois da queda do chamado grupo de risco rotulado em épocas remotas.
Nesse dia, entre algumas ações que contribuem, bati um demorado papo com meu amigo Oswaldo, residente em São Paulo e que estava no Norte de Minas, que ele deixou há muitos anos, visitando parentes. Oswaldo é um nome que entramos em acordo para lembrá-lo sem que seu verdadeiro nome fosse exposto. Oswaldo queria contar sua história, desabafar, chorar um pouco e mostrar que ainda tem muita força para trilhar na estrada infindável desta existência.
Nosso amigo é baixista, tocou em diversas bandas por aqui, foi para São Paulo em busca de melhoria e conseguiu bens materiais, como sonhava, vida de conforto e ajudou os pais que residem em um pequeno distrito de Montes Claros. Porém, Oswaldo também contraiu a aids.
Filho da liberdade, dono de um talento imprevisível, conta que o calor do palco exigiu que ele ficasse cada vez mais aquecido, e o aquecimento que precisava não encontrava mais nas doses cavalares de álcool que ingeria. Em um dos shows que fizera, conheceu a mulher mais linda que já passara pelos seus pretensiosos rompantes de namorador. Era Karla, uma das promotoras do evento em que tocavam.
Na primeira noite no apartamento dela, entre pileques e cópulas alucinadas, cheirou cocaína. Daí em diante a paixão tomou conta da razão de Oswaldo, que conta paulatinamente, nos obrigando a enxergar as curvas libidinosas da loura paulistana, que gostava de sexo oral com cocaína.
No feriado de Corpus Christi de 2004 Oswaldo relata que foi convidado por Karla para tocar em um festival de rock pauleira, em um sítio de um produtor de uma banda paulista de fama internacional no mercado do rock'roll. Nesse dia o álcool em excesso e as carreiras de cocaína deixaram o baixista louco, a ponto de tomar pico na veia e participar de uma imensa orgia nas extensões da propriedade.
Essa vida de curtições irresponsáveis ordinariamente durou alguns anos. Oswaldo conta que foi afastado da banda, pois a dependência com a cocaína já lhe tirara a concentração e os ensaios não eram mais os mesmos . Nessa época Karla disse que precisava viajar , mas não falou para onde nem porque iria. Com a baixa temperatura naqueles meses, Oswaldo contraiu uma gripe que o deixou acamado, evoluindo de forma tão intensa que foi levado a um pronto socorro com temperatura altíssima, mais de 40 graus estava a febre.
Na madrugada do retorno do hospital acordou com tremulações e uma diarréia que o prostrou por dois dias. Novamente é levado ao hospital. Após a anamnese feita pelo médico, nosso amigo conta que foi encaminhado ao centro de triagem de doenças infecto-contagiosas. O medo começou a fazer parte daquele instante, e tudo que havia passado nos últimos tempos brotou como uma lâmina rasgando suas vísceras e produzindo uma quantidade incontável de lágrimas.
Após alguns dias internado, Oswaldo conta que voltou para casa, com a ciência que na semana seguinte sairia o resultado do exame de HIV. Retirou suas coisas da casa da loura paulistana, que ainda não viajava, e voltou a sua casa, com as cores sombrias e a aceleração no peito premeditando o pior. No final da tarde recebe um telefonema de Karla chorando e pedindo perdão, sem entender, ou melhor, sem querer entender. Oswaldo pega um táxi e vai ao encontro da moça, pedindo a todos os santos para não ouvir o que achava que ela diria.
Karla, bastante abatida, conforme narrou meu amigo, estava trêmula com um copo de uísque na mão, sem querer encará-lo. Apenas balançou a cabeça e, com a voz embargada, vociferou:
- Estamos com AIDS, cara, estamos com a porra desta doença!
Nesse momento Oswaldo, movido pela dor daquele momento nefasto, reproduziu com extremo pesar, não tocando mais no nome de Karla. Restringindo-se a dizer que a segunda morte foi no dia do resultado. Karla suicidou-se no dia 24 de dezembro do mesmo ano. Oswaldo resiste às tentações do mundo que ele considera não ter perdido a ilusão, conseguiu retornar a banda e seus companheiros o ajudaram a participar de grupos de apoio e entender que viver é uma necessidade. Deixa um abraço ao pessoal da redação de O NORTE e espera ter contribuído de alguma forma para que reflitamos um pouco mais sobre a maneira que achamos estar curtindo a vida, coisa que ele nunca havia parado para fazer. Ainda há tempo: use camisinha.
* Aprendiz de escritor