Ah, as doçuras da infância!... - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 23/02/2007 às 13:08.Atualizado em 15/11/2021 às 07:58.

Antônio Augusto Souto



Não faz muito, com o genro que mora em Divinópolis, fui a Lagoa da Prata, visitar irmã e cunhado dele e amigos com lugar especial e cativo no meu coração.



Em Lagoa da Prata, estimada leitora, há uma lagoa, é claro. É enorme e, vista de longe, parece prata líquida. Quando estive lá, primeira vez, havia dois botos amazônicos que foram levados com o encargo exclusivo de comer piranhas. Piranha peixe, também é claro, daqueles serrassalmídeos dos gêneros serrassalmo e pigocentro.  Fico imaginando a farra que a dupla fez. Erradicadas as piranhas e antes que se pudesse materializar certa lenda da Amazônia, foram levados, não sei para onde.



Acho desnecessário dizer, mas vá lá: a lenda a que me referi, no parágrafo anterior, é a do boto tucuxi.



O município de Lagoa da Prata não está muito distante do santuário ecológico conhecido como Parque Nacional da Serra da Canastra, onde estão, protegidíssimas, as nascentes do São Francisco. A propósito e diante da celeuma em torno da transposição, acho que o São Francisco, apesar de nascer em Minas, pertence também ao Nordeste e, de resto, ao Brasil. O forte da  economia de Lagoa da Prata é a cana de açúcar. No entorno da cidade, há usinas que, além de açúcar, produzem álcool combustível.



Pois muito bem.



Feita a rápida digressão, quero dizer que chegamos, no meio da tarde. A festa de aniversário do cunhado de meu genro seria à noite. Isso me permitiu circular pela cidade, para conhecê-la melhor. Placa comercial despertou minha atenção: “Fábrica de Doces Embaré”. Num átimo, retornei à infância, que foi adocicada, por muito tempo, pelos caramelos, cocadas e mariolas da marca Embaré. Veio a indagação: será que as delícias que encantaram olfato e paladar do menino teriam saído dali, daquela casa singela e antiga?



Entrei e fiz perguntas. Não, as doçuras que, há mais de cinqüenta anos,  deslumbravam-me os sentidos saíam de Campinas. A marca era a mesma e os produtores atuais são descendentes. Estavam instalados em Lagoa da Prata, por motivos que não me revelaram e que, na verdade, não me interessavam. A linha de produtos era a mesma, como  mesmas eram a matéria-prima e as receitas. Comprei, na variedade e volume proporcionais à minha paixão por doces. Mandei acrescentar mais um pouquinho. Escondi a sacola no porta-malas do carro. Queria comê-los em casa, sozinho e fora do alcance da controladora oficial dos meus hábitos alimentares.



Dias depois, em casa e em momento propício, fui aos doces que, em nenhum instante, deixaram de ocupar meu pensamento. Comi o primeiro. Tive que fazer algum esforço, para encarar o segundo. Desisti, na metade. Acaso a estimada leitora sabe qual o tamanho exato da decepção de uma criança que tem seu lindo balão colorido estourado? A minha foi igual. E não foi a primeira, confesso, em minhas tentativas de trazer o passado de volta. Nada dos cheiros e sabores que, há mais de cinqüenta anos, encantaram um menino!



Reescondi  a sacola e, na primeira oportunidade, distribuí seu conteúdo entre uns pestinhas que moram na minha rua e, ocasionalmente, catam frutas no meu quintal. Eles adoraram e eu menti: comprei especialmente para vocês.



Restou-me uma dúvida atroz: ao longo do tempo, ficou pior a qualidade dos doces ou pioraram meu paladar e olfato?



Li, em romance cujos nome e autor não me ocorrem, no momento, que o melhor do passado não está no passado. Está mesmo é dentro da gente.



Ah, ia-me esquecendo. Semana passada, quando saía para o trabalho, um dos pestinhas me parou, para perguntar se eu tinha outros doces. A resposta foi não. Com os meus botões, comprometi-me a, quando me lembrar e tiver tempo, passar em supermercado desses. Aí, não vou precisar de mentira: comprei especialmente para vocês.

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