Aborto o aborto - por Márcio Adriano Moraes

Jornal O Norte
10/09/2008 às 18:01.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:43

Márcio Adriano Moraes


Escritor e professor do Colégio Indyu e do projeto Educação popular


 


Não foram poucas as vezes em que a célebre frase de Shakespeare foi parafraseada, “abortar ou não abortar, eis a questão”. O engraçado é que essa questão já foi decidida há muito, mas ora ou outra o tema cutuca a cabeça dos cartolas e a dos bonés. Nas universidades, nas faculdades e até nas escolas de ensino fundamental e médio, defender ou condenar o aborto se tornou disciplina obrigatória. Parece-nos que esse assunto se tornou mais forte no nosso cotidiano século XXI, mas a verdade é que ele é muito, mais muito antigo mesmo. Não só a Sociologia tratou dessa matéria como também outras áreas do conhecimento, como a Filosofia, a Literatura e a Religião, que nem é preciso comentar, pois é profissional no assunto.

Etimologicamente falando, a palavra aborto significa privação ab - do nascimento - ortus, resultando na morte do produto da concepção. Resumidamente, nos termos eclesiais, o aborto é a expulsão provocada do feto imaturo do seio materno.

Em alguns países, o aborto é lícito ou cogita-se a aprovação do mesmo. O que, infelizmente, fere muito o coração do Santo Padre. De acordo com a legislação brasileira, o aborto pode ser natural, acidental, legal ou criminoso. Realmente, não é preciso destacar explicitamente o primeiro e o segundo caso já bem conhecidos. Um aborto natural seria uma interrupção espontânea da gravidez por problemas de saúde da mãe ou do feto; um aborto acidental seria decorrente de algum acidente, como uma queda ou um grande susto. Aqui, não se pode falar de culpa, já que se trata de fatalidades da vida. Mas, quanto ao terceiro e quarto caso, há de se pensar um pouco mais. É justamente nessas situações que a palavra aborto torna-se abominável, pois assume um desejo aberto de extirpar o pequeno ser em formação.

Lê-se, portanto, no Código Penal Brasileiro, mais precisamente no artigo 128, o aborto necessário, para salvar a vida da mãe, ou seja, quando a gravidez põe em risco a vida da gestante; e o aborto sentimental, em caso de estupro. Qualquer outro tipo de aborto que não se enquadre nos requisitos acima, segundo a lei dos “homens brasileiros”, é criminoso. Logo, não há o que questionar muito sobre a liberação total do aborto. Essas possibilidades asseguradas pela Lei Penal já são um pouco estranhas, pois na Constituição é claríssimo o direito à vida em seu artigo 5º. E dentro desse direito, logicamente estariam abarcados, portanto, o direito do nascituro e o direito de permanecer vivo. Vá se entender o paradoxo jurídico, ou como bem disse Machado, “a eterna contradição humana”. Mas, fazer o quê? “São coisas do Brasil”.

Liberar geral o extermínio dos inocentes, só com uma nova “norma pura” como é chamada a Constituição, segundo Hans Kelsen que a vê sem qualquer presunção à fundamentação sociológica, política ou filosófica. Falando abertamente, seria pegar o “livrinho” de 1988 e jogá-lo para escanteio, e publicar uma nova Carta Magna, não é mesmo Companheiro?

Tratando o tema a partir de um viés religioso, mais precisamente, como cristão católico, o homem é querido por Deus “desde o momento em que é concebido sob o coração da própria mãe”, disse João Paulo II em sua primeira Encíclica, há 27 anos. Mas antes de João de Deus, muitos já disseram algo bem parecido, como Jeremias, “antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei” (Jr. 1,5). Todos nós somos amados por Deus, independente da forma como fomos concebidos. Todos possuem a sua importância, todos têm o direito de viver. Nisso, a lei dos homens é concernente a de Deus. Mas à Lei de Deus não há exceções: “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae” (cân. 1398 do Código de Direito Canônico). “Advirta-se que o cânon não faz nenhuma exceção quanto aos motivos do aborto. A excomunhão atinge, portanto, também os que realizaram o aborto no caso de estupro da mulher, de deformidades do feto, ou de perigo de vida da mãe. E atinge por igual a todos os que, a ciência e consciência, intervêm no processo abortivo, quer com a cooperação material (médicos, enfermeiras, parteiras, etc.), quer com a cooperação moral verdadeiramente eficaz (como o marido, o amante ou o pai que ameaçam a mulher, obrigando-a a submeter-se ao procedimento abortivo)” (nota de rodapé referente ao cânon acima). “Com isso, a Igreja não quer restringir o campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade” (Catecismo da Igreja Católica, §2272). A expressão latina latae sententiae significa “de sentença já promulgada” e indica que o transgressor incorre na excomunhão sem que a autoridade competente precise pronunciar-se.

A história da humanidade é marcada por pessoas grandiosas que só puderam deixar suas contribuições graças ao dom da vida que lhes foi concedido do alto. Não só de grandes homens e mulheres, mas de seres humildes, como nós, que são capazes de receber e proporcionar amor, o mundo se constrói e, por isso, torna-se verdadeiramente reflexo da criação divina. Muitos são os casos de mulheres que passaram pela infelicidade da violência sexual, mas que encontraram paz e ânimo para viverem ao terem em seus braços um ser sem culpa da forma como foi concebido, e cujos choros e sorrisos traduzem o mistério da vida. Mais enigmático e grandioso ainda se torna o sacrifício das mães que, assemelhando-se a Cristo, não negam suas vidas em prol do novo ser gerado, na esperança de alcançar a misericórdia celeste, e do firmamento avistar o fruto que lhes custaram a vida, um filho eternamente grato.

Aborto o aborto porque confio fidedignamente nos ensinamentos da Santa Igreja Católica que não visa outra coisa a não ser o bem de seus filhos. E aborto o aborto porque, graças à vida, sou capaz de enxergar, com minha alma, a beleza de Deus que, por caminhos desconhecidos, traça os rumos de seus filhos para serem singelos grãos de areia que juntos amparam a imensidão dos mares, ou para serem estrelas luminosas que do alto iluminam e guiam, com exemplos de vida, toda a humanidade para o bem e para a paz. O que seria da música Clássica se Mozart fosse abortado; o que seria da Teologia se Santo Tomás fosse abortado, o que seria daquele mendigo se o samaritano fosse abortado; o que seria de VOCÊ se tivesse sido abortado? Madre Tereza de Calcutá disse certa vez: “O mundo não precisa mais de cristãos, o mundo precisa é de novos Cristos”. Ao praticar esse crime horrendo, ao abortar um feto, será que não estamos correndo o grande risco de impedir o nascimento de novos Cristos?

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