A VALENTIA DO CABO ZÉ IDÁLIO

Jornal O Norte
Publicado em 22/06/2010 às 10:25.Atualizado em 15/11/2021 às 06:31.

Alberto Sena


Jornalista



Havia em Montes Claros, no tempo dos delegados “calças curtas”, como eram chamados, porque não eram bacharéis em Direito, mas oficiais da Polícia Militar (antes nem militares eram os “calça-curtas”, mas um civil, cidadão comum, daí a origem da alcunha), havia um cabo chamado José Idálio. Era um tipo de estatura baixa, franzino, usava bigodes e os cabelos cortados baixo, com entradas dos lados da testa.



Para resumir, o cabo José Idálio, que daqui para frente será chamado de Zé, era temido em todas as hostes pela valentia. Muitas das vezes, ele até extrapolava na valentia. Só era pequeno, mas parecia galinho de briga, um garnisé. A lei era ele.



O delegado de polícia na época era o capitão Vasco, da Polícia Militar. Um homem forte, olhos verdes, considerado também valente. O capitão era de Belo Horizonte, mas se casara com uma moça de Montes Claros.



Corria a década do golpe de 1964, contra o presidente João Goulart, o Jango, quando até o PM mais simples se revestiu de poder fora do comum. Nessa época, tínhamos a impressão de que as pessoas eram vigiadas por olhos invisíveis, como se câmeras tivessem sido espalhadas por todos os cantos.



Nós estávamos dentro da delegacia. Éramos três: o capitão-delegado Vasco; o jornalista Felipe Gabrich, pelo “Diário de Montes Claros”; e eu, pelo “O Jornal de Montes Claros”. Estávamos ali colhendo notícias. De repente, começamos a ouvir gritos de socorro vindos da rua. “Capitão Vasco, socorro; capitão Vasco, socorro...”



O capitão se levantou da cadeira num salto e correu para fora do gabinete para ver o que acontecia. Nem bem tinha saído do prédio da delegacia, na Rua Dr. Veloso, ele deu de cara com Jabbur correndo e gritando por socorro. Atrás dele vinha o pequeno Zé Idálio de revólver em punho.



Jabbur – o prenome dele, eu não me recordo, mas Gabrich, certamente, saberá dizê-lo – se abraçou com o capitão Vasco, gritando: “socorro, Zé Idálio quer me matar”. Não se sabia o porquê de os dois terem se desentendido, nem é o caso de procurar sabê-lo. O interessante, para não dizer engraçado, foi o sufoco de Jabbur, pedindo socorro ao capitão.



Muita gente correu para ver o que acontecia. O Zé recolocou o revólver no coldre e tudo ficou como dantes, “no quartel de Abrantes”, por conta de um “mal-entendido”.



Outra passagem envolvendo o cabo Zé Idálio aconteceu antes, muito antes de o autor deste texto trabalhar como repórter do JMC, eventualmente, cobrindo o setor de polícia. Foi no tempo em que a Praça Coronel Ribeiro tinha prestígio, era bem cuidada e o Cine Cel. Ribeiro tinha a maior audiência da cidade.



Os melhores filmes da minha vida eu os assisti no Cine Cel. Ribeiro. Naquele tempo, sabiam-se os nomes de todos os monstros sagrados do cinema: Marlon Brando, Kirk Douglas, John Waine, Elizabeth Taylor, Sofia Loren, Gina Lollobrigida, entre outros.



Estávamos sentados num dos bancos da praça. Caía a tarde. O movimento era o de sempre. Uns iam, outros vinham, enquanto alguns compravam ingressos para entrar no cinema. De repente, apareceu o cabo Zé Idálio vindo da direção da Montanhesa, um bar que havia na esquina de Rua Bocaiúva. Ele trazia preso um homem seguro pelo cós da calça e com um dos braços dobrado para trás.



A certa altura da praça, Zé Idálio começou a socar o homem. Mas foram muitos socos, e o homem gritava tanto, que as pessoas começaram a pedir por ele. Mas o Zé não parava de bater nele. As pessoas continuaram gritando até que o cabo resolveu atender aos apelos e soltou o prisioneiro.



Esbaforido, o homem saiu em “desabalada carreira” sem ao menos olhar para trás. Mais tarde soubemos: ele fora apanhado tentando furtar uma pessoa na estação rodoviária antiga, ali próximo da Praça Francisco Sá.



Naquele tempo de delegado “calças-curtas” o terror era o cabo. Coitado de quem caísse nas mãos de Zé Idálio. Ele resolvia tudo no braço ou no revólver, pelo menos para amedrontar. A técnica dele era simples assim. Hoje em dia, em Montes Claros, que evoluiu bastante, eu acredito isto não deve ocorrer mais.



Hoje os delegados são bacharéis em Direito. Mas em compensação, as ocorrências policiais ganharam feições novas. Tanto de um lado como do outro. É que Montes Claros virou cidade grande.



E quando se é grande, a cidade fica “metida a besta”, assim como acontece com muita gente adulta, que deixa escapar o espírito infantil, a simplicidade da criança que morava dentro do peito.


 

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