Marcelo Valmor
Professor e articulista político
Quando as telecomunicações foram privatizadas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), duas redes de TVs deram coberturas distintas ao evento. A Rede Globo exaltou a privatização e o lucro obtido pelo governo federal, enquanto que a TV Bandeirantes, através do seu jornal noturno, chamava a atenção para a reedição do Tratado de Tordesilhas quinhentos anos depois.
Só para relembrar um pouco da história, os dois países que adquiriram o controle sobre as teles foram Portugal e Espanha, e o Tratado evocado representou, em 1494, a divisão da América do Sul entre os dois países ibéricos.
Lá se vão mais de 12 anos depois do fato acima ter ocorrido. Mas a TV Bandeirantes desmontou o seu discurso nacionalista e passou a fazer, do seu noticiário diário, um meio para divulgar a campanha do Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB.
O seu âncora, Boris Casoy, depois de detonar os garis num arroubo elitista para o qual ele não tem um mínimo de cacoete, agora volta suas baterias para o Movimento dos Sem Terra-MST e a exaltação da figura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em noticiário exibido na semana que passou, conclamou os integrantes do MST a pensarem com a própria cabeça, não se deixando levar pelos ideólogos de plantão. Já em relação à FHC, chamou a atenção para a entrevista do ex-presidente no domingo passado (18/04), tecendo, entre outros “elogios”, como imperdível a lucidez do político do PSDB.
Quando as forças de esquerda representadas pelo governo do presidente Lula (PT) acusam a Bandeirantes de fazer campanha para o candidato oposicionista José Serra (PSDB), não há muito o que se reclamar.
Que a imprensa nunca foi, e nunca será totalmente independente, isso todo bom leitor sabe. Mas o que ele não admite é o uso de concessão pública para fazer campanha abertamente para um dos nomes postos na corrida presidencial deste ano. Não se admite, ainda mais na figura expressa de Boris Casoy, qualquer tipo de investida “legítima” para se arrebanhar votos para o candidato da oposição.
A Democracia não é o governo de todos, mas sim o governo da maioria. E essa maioria está expressa na mais clara obediência às regras do jogo político. Há muito que os golpes e investidas fora do campo institucionalmente permitido para a prática política foram abolidas. Há muito que não sentimos um mínimo de saudades daqueles que querem mover a opinião do eleitor em direção a um caminho onde passam interesses mesquinhos e aparentemente golpistas.
Jamais a imprensa será livre. E isso não é nenhum demérito. Antes, pelo contrário, representa o fato mais do que óbvio de que jornais e televisão são compostos por pessoas que tem suas preferências políticas desde antes de cursarem um curso superior.
Mas escancarar as preferências é, no mínimo, uma ofensa ao telespectador, que depois de boquiaberto com as declarações de Casoy sobre os garis, tem que engolir uma nova fala desse senhor que se arroga no direito de ensinar as pessoas quais são as melhores ou as piores personalidades da nossa política.
O âncora da TV Bandeirantes já deu um tiro no próprio pé, e agora, como que não satisfeito, aponta para o outro e o atinge. A continuar nesse ritmo, o PSDB, que não precisa desse tipo de prática, chegará no dia das eleições com um aliado a menos.