A propósito de música - Antonio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 02/03/2007 às 11:53.Atualizado em 15/11/2021 às 07:59.

Antonio Augusto Souto *



Confesso que não consegui, ainda, desenvolver o hábito de ouvir música. Também não me acostumei a ficar horas e horas diante da televisão. Desde que fui alfabetizado, habituei-me a ler. No início, lia gibis e almanaques. Depois, passei a encarar qualquer coisa impressa que me aparecesse, pela frente. Até hoje, quando ocorre tempo ocioso, pego um livro.



É claro que gosto de música. Mas ouço-a apenas ocasionalmente. Por exemplo: quando viajo de carro, a patroa carrega estojo de CDs e passa o tempo todo a ouvi-los. Não me desagrada. De mais a mais, música em meu carro quer dizer que a patroa está presente. E isso é ótimo. Se ela não tivesse o costume de carregar CDs, nas viagens, pouca diferença faria, para mim. Vale mais a presença dela.



Sempre tive, como ainda tenho, o costume de  ler história da música e teoria, com a intenção de adquirir conhecimentos e usá-los, tanto quanto possível, nas aulas de literatura  nos velhos tempos de professor  e nos poeminhas pobrezinhos que, hoje,  ando cometendo. Acho até que, na minha vida, o ler sobre é mais volumoso que o ouvir.



Quanto à televisão, falta-me paciência para quedar-me diante dela, por muito tempo. Vejo futebol e um ou outro programa. De vez em quando, levanto-me, saio da sala, ando pelo quintal... Quando retorno, o placar do jogo pode ter sido alterado e o programa já pode ser outro. Não me importo. Para um bom livro, no entanto, sobra paciência.



Não faz muito, durante jantar em hotel baiano, interrompi conversa e prestei atenção em cantora que se esforçava para ser ouvida. Acompanhada por solitário e ótimo violão, ela desfilava uma voz límpida e suave por melodias do meu conhecimento. Encerrei, prematuramente, a mastigação, que a fome se fora. Gostei da voz. Aliás, encantei-me com a interpretação.



Como ocupava mesa próxima ao palco, no rápido intervalo entre uma música e outra e durante os aplausos pouquíssimos, perguntei, baixinho, se seria possível sair bossa nova. Perguntei por perguntar.  Cantora e violonista ouviram e, em sincronia, balançaram a cabeça, afirmativamente. A partir daí, leitora, foi um show de suavidade vocal.



Tinha atividade programada para depois do jantar. Ao sair, achei por bem dizer à moça, ainda baixinho, que o Brasil precisava descobri-la, com urgência. Ela sorriu.



No jantar seguinte, logo que entrei no restaurante, ela interrompeu canção para fazer referência ao que eu lhe dissera, na noite anterior. Agradeceu e pôs-se a cantar, exclusivamente, bossa nova. Foi outro show de interpretação. Novamente, saí antes do final  fui jogar cartas, com a patroa, contra Cau e Benito.



Dias depois, já em casa e em tarde de domingo sem futebol, estava lendo o cansativo “O Caçador de Pipas”. De repente, lembrei-me do episódio  do hotel baiano. Fechei o livro chato e fui remexer em meus guardados. Encontrei, ainda lacrados na embalagem, três CDs de bossa nova, que alguém me dera de presente, faz tempo. Decidi ouvi-los e gostei. Num deles, estava aquele dueto famoso de Tom Jobim e Frank Sinatra, cantando “Garota de Ipanema”. A propósito, a música foi cantada em português e inglês. Achei até que a letra de Vinícius de Moraes tenha adquirido extrema e surpreendente leveza, na língua de Shakespeare. A tarde foi agradável.



Ah, ia-me esquecendo. Num dos CDs, Vinícius de Moraes cantava, com voz de uisqueiro (cachaceiro pode ser ofensa) inverterado, um dos seus inúmeros poemas  musicados por Tom Jobim e Chico Buarque de Holanda. João  e Astrud Gilberto também se faziam presentes.



Não, leitora, não estou querendo dizer que vou esforçar-me para adquirir o hábito de ouvir música. Continuo na mesma. Apenas achei ter dito verdade à cantora baiana: o Brasil precisa descobri-la, com urgência.



* Escreve aos fins-de-semana no suplemento Opinião

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