A primeira vez que ouvi os Beatles - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
01/02/2007 às 10:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:56

Eduardo Lima *

Não consigo me esquecer dos onze anos, embora os onze anos sejam uma idade perdida no calendário dos meninos. Sete anos a gente se lembra bem. Nove também. Eu sempre cismo que oito, quatro, o próprio onze são anos idos, quase vadios. Com sete a gente ia à escola e isso datava a vida. Aos doze eu avistei os pelos e senti um calor molhado nas cuecas capaz de produzir descobertas e deliciosas novidades. Talvez tenha sido também nesta época que eu tenha ouvido Beatles.

Aliás, cheguei a pensar, como muitos do meu tempo, que os Beatles eram uma invenção pós Renato e Seus Blue Caps, pós Jovem Guarda, uns ingleses pouco engenhosos que versavam sucessos tupiniquins. A alienação se justificava; o mundo era imenso, muito maior do que hoje. Um disco lançado em Londres demorava até um ano para atravessar o oceano. Discos de bandas internacionais eram raros e a gente se informava de tudo pela mítica, as lendas ricas contadas boca a boca e, mais raramente, por uma capa de vinil invocada que circulava de mão em mão, num rito tátil e visual de quase delírio.

Só o cinema, tempos depois, nos dava a imagem tridimensional dos ídolos. Elvis Presley chegou mais rapidamente; os americanos sempre foram mais astutos. E porque geograficamente levavam vantagem, depressa nos impactavam com suas fórmulas. Lembro-me que, após os Beatles, os americanos lançaram inúmeros grupos, conjuntos como dizíamos, na mesma linha. E inundaram o rádio. Era a gênese dessa máquina doida de fazer cantar, essa síndrome, a lavagem geral.

Os Beatles, contudo, fizeram a trilha sonora de nossa geração e aos onze anos ouvi aquele som pela primeira vez, quando então esses anos incipientes se marcavam como absolutamente desnecessários. Era 1962 quando ouvi Beatles pela primeira vez. Na sala de casa, na velha radiola Standard Electric, meu pai sintonizou em onda curta a BBC de Londres e a sua canção tomou-me inteiro, arrebatadora. O locutor brasileiro anunciou com voz sonolenta que havia um fenômeno no ar, algo arrasador, demarcação histórica nas notas da canção. E disse The Beatles, explicando a seguir que a expressão significava alguma coisa como besouro e que os meninos eram irreverentes, cabeludos e anti-sociais, revolucionários e já tinham despertado a ira da solenidade britânica.

Meus onze anos ficaram, ali, definitivamente marcados. Tanto quanto talvez os sete em que vivi o mais real dos faroestes caboclos nas ruas varridas por vento e poeira na hoje veemente Janaúba. Os Beatles cantaram em minha alma de menino o primeiro hino oficioso. E talvez por isso eu tenha levado a vida num singelo sustenido, ao som irrelevante de miúdas canções de amor, com saudade de mim e no inefável Love Me Do.

PS – Comunico a Reginauro Silva que recebi o e-mail sobre os leitores que se manifestam junto ao preclaro editor. Velhos conhecidos e outros tantos, novos para mim, que enviam mensagens e comentam as crônicas miúdas. Dá-me funda inspiração este carinho. Montes Claros é um embalar de mãe, um doce fino, mel. Saudade de sua luz, saudade de sua gente, saudade da roda de amigos e da prosa que flutuam inalteradas na memória.

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