A perereca tímida

Jornal O Norte
Publicado em 23/02/2006 às 10:36.Atualizado em 15/11/2021 às 08:29.

Clídio Moura *



No vale tinha uma grota, na grota havia uma lagoa, e ali chovia. Agora a chuva era devagar, algumas gotas pingavam ainda fortes. A chuva foi torrencial. A festa começou: sapos coaxando, exibindo seus grossos papos para atrair as fêmeas para um namoro; uma perereca se escondia numa folha longa que lhe dava proteção; é que uma cobra enrolada ora por outra se erguia e duramente olhava fixamente para a perereca. O que queria a cobra com a perereca? Um jacaré estava na espreita, não ameaçava sapos nem tampouco a perereca. O jacaré queria comer alguma coisa maior e mais apetitosa. Um papagaio tagarela cantarolava e falava com um ousado macaquinho. Toda a bicharada se envolveu no bate-papo dizendo:



- Vamos fazer uma festa.



E o papo rolou, só depois a festa ia começar, festa social, claro. Perguntou o sapo para a perereca:



- Por que você está tímida? Deixe de tanta timidez e entre na festa.



A Perereca lhe respondeu:



- Eu? Tímida? Eu tenho medo de cobra. Vai que tomo umas e outras e perco a cabeça. Você sabe, amigo sapo, que cobra tem cabeça, mas não tem juízo e...



O macaquinho que tudo ouvia, era ousado, foi logo interrompendo a perereca para lhe perguntar:



- Comadre perereca, qual é seu signo?



- Malicioso!



A perereca se deu por ofendida e foi só o que lhe respondeu, acrescentando:



- O que lhe interessa, macaco?



O macaquinho se soltou, sorriu com deboche e disse:



- Qual é, perereca, você tem medo de picadura?



- Ousado! Mais respeito, seu macaco atrevido - disse-lhe a perereca - Eu sou virgem!



- Uai! Picadura de cobra não mata ninguém - disse o macaquinho para a perereca, esboçando um sorriso que pingava de malícia.



O papagaio entrou na conversa e falou para o macaquinho:



- Compadre, perereca que tem medo de cobra vira sapato de madame.



- Sapato dos grandes - acrescentou o sapão cururu, esbugalhando grandes olhos e olhando para todos com um bocão malicioso.



A perereca tirou sua lasquinha e falou para todos:



- Bicharada!



E se dirigiu para seu compadre Jacaré dizendo-lhe:



- Você deve se defender, quem vira bolsa de madame é jacaré.



Todos riram e soltaram grandes gargalhadas. A festa vai esquentar! Se todos resolverem comer todos... Aí é festa de arromba, com grande sururu (ou será outra coisa, leitor?).



 O jacaré se deu por ofendido e disse:



- Olha, perereca virgem, falaram de sapato grande, que é a mesma coisa de sapatão, viu! Não me ponha esta estória, pois eu sou espada.



A perereca fez de conta que não ouviu o jacaré falar e sussurrou no ouvido do sapo:



- O amigo macaco pensa que eu não sei da vida dele. Ele é do topa-tudo, do troca-troca



No que lhe respondeu o sapo:



- Engano seu, pererequinha, o amigo macaco é comerciante, troca, vende e até financia.



Bem, como ali não tinha nenhum anjo, ou melhor, todos tinham rabo de palha, toda a bicharada se desculpou. Prometeram uns para os outros que ninguém ia comer ninguém e que tudo era apenas uma festa social. E começaram a dançar, ouvindo e cantando a inocente música Um robocop gay. O legítimo scotch rolava na pérgula da p... (piscina, leitor! Palavrão aqui não rola), melhor, na beira da lagoa. Gole vai, gole vem... O jacaré saiu de fininho, nadando de costas. A perereca eufórica, bebinha, falou para o macaco:



- Hic! hic! Meu signo era virgem, dancei com a cobra! E o macaco lhe disse em resposta:



- Pra mim rola tudo, troca-troca, eu topo tudo. O amigo sapo estava engasgado com uma baba (baba de moça, leitor?). O compadre papagaio gritava:



- Currupaco! Cururpaco! Estão querendo me chupar pensando que sou um limão!



Assim findou a elegante, grande, luxuosa e simpática festa da bicharada.



* advogado e professor universitário – autor do livro Leia o trem


clidiomoura@bol.com.br

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