Clídio Moura *
No vale tinha uma grota, na grota havia uma lagoa, e ali chovia. Agora a chuva era devagar, algumas gotas pingavam ainda fortes. A chuva foi torrencial. A festa começou: sapos coaxando, exibindo seus grossos papos para atrair as fêmeas para um namoro; uma perereca se escondia numa folha longa que lhe dava proteção; é que uma cobra enrolada ora por outra se erguia e duramente olhava fixamente para a perereca. O que queria a cobra com a perereca? Um jacaré estava na espreita, não ameaçava sapos nem tampouco a perereca. O jacaré queria comer alguma coisa maior e mais apetitosa. Um papagaio tagarela cantarolava e falava com um ousado macaquinho. Toda a bicharada se envolveu no bate-papo dizendo:
- Vamos fazer uma festa.
E o papo rolou, só depois a festa ia começar, festa social, claro. Perguntou o sapo para a perereca:
- Por que você está tímida? Deixe de tanta timidez e entre na festa.
A Perereca lhe respondeu:
- Eu? Tímida? Eu tenho medo de cobra. Vai que tomo umas e outras e perco a cabeça. Você sabe, amigo sapo, que cobra tem cabeça, mas não tem juízo e...
O macaquinho que tudo ouvia, era ousado, foi logo interrompendo a perereca para lhe perguntar:
- Comadre perereca, qual é seu signo?
- Malicioso!
A perereca se deu por ofendida e foi só o que lhe respondeu, acrescentando:
- O que lhe interessa, macaco?
O macaquinho se soltou, sorriu com deboche e disse:
- Qual é, perereca, você tem medo de picadura?
- Ousado! Mais respeito, seu macaco atrevido - disse-lhe a perereca - Eu sou virgem!
- Uai! Picadura de cobra não mata ninguém - disse o macaquinho para a perereca, esboçando um sorriso que pingava de malícia.
O papagaio entrou na conversa e falou para o macaquinho:
- Compadre, perereca que tem medo de cobra vira sapato de madame.
- Sapato dos grandes - acrescentou o sapão cururu, esbugalhando grandes olhos e olhando para todos com um bocão malicioso.
A perereca tirou sua lasquinha e falou para todos:
- Bicharada!
E se dirigiu para seu compadre Jacaré dizendo-lhe:
- Você deve se defender, quem vira bolsa de madame é jacaré.
Todos riram e soltaram grandes gargalhadas. A festa vai esquentar! Se todos resolverem comer todos... Aí é festa de arromba, com grande sururu (ou será outra coisa, leitor?).
O jacaré se deu por ofendido e disse:
- Olha, perereca virgem, falaram de sapato grande, que é a mesma coisa de sapatão, viu! Não me ponha esta estória, pois eu sou espada.
A perereca fez de conta que não ouviu o jacaré falar e sussurrou no ouvido do sapo:
- O amigo macaco pensa que eu não sei da vida dele. Ele é do topa-tudo, do troca-troca
No que lhe respondeu o sapo:
- Engano seu, pererequinha, o amigo macaco é comerciante, troca, vende e até financia.
Bem, como ali não tinha nenhum anjo, ou melhor, todos tinham rabo de palha, toda a bicharada se desculpou. Prometeram uns para os outros que ninguém ia comer ninguém e que tudo era apenas uma festa social. E começaram a dançar, ouvindo e cantando a inocente música Um robocop gay. O legítimo scotch rolava na pérgula da p... (piscina, leitor! Palavrão aqui não rola), melhor, na beira da lagoa. Gole vai, gole vem... O jacaré saiu de fininho, nadando de costas. A perereca eufórica, bebinha, falou para o macaco:
- Hic! hic! Meu signo era virgem, dancei com a cobra! E o macaco lhe disse em resposta:
- Pra mim rola tudo, troca-troca, eu topo tudo. O amigo sapo estava engasgado com uma baba (baba de moça, leitor?). O compadre papagaio gritava:
- Currupaco! Cururpaco! Estão querendo me chupar pensando que sou um limão!
Assim findou a elegante, grande, luxuosa e simpática festa da bicharada.
* advogado e professor universitário – autor do livro Leia o trem
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