A pensão - por Ronaldo José de Almeida

Jornal O Norte
Publicado em 05/12/2006 às 10:29.Atualizado em 15/11/2021 às 08:45.

Ronaldo José de Almeida *



Totonho, homem nervoso, era proprietário da Pensão Paris, a qual administrava com mão de ferro. Não permitia que os hóspedes ouvissem rádio em alto volume, transitassem de bermudas ou camisetas. Enfim, era um chato.



Como roncava muito, optou por dormir em quarto recuado, no fundo do corredor, com o que não perturbaria ninguém, inclusive a sua esposa.



Ela, de nome Violeta, trinta e oito anos mas aparentando bem menos. Tratava-se de uma morena esplendorosa e bem feita de corpo.



A mulher cuidava da cozinha e era o oposto do marido. Cordata e de bem com a vida, fazia suas tarefas sempre cantarolando, como se fosse a alma da pensão, sempre acudindo os hóspedes em suas diversificadas necessidades.



Chamava-se Poliana a filha do casal de hospedeiros. Tinha dezoito anos e uma beleza parecida com a de sua mãe, da qual também herdou a alegria de viver e o bom humor. As pequenas tarefas estavam sob a sua responsabilidade.



A moça teve um caso com um hóspede, advindo daí uma filha, uma garotinha graciosa. O pai, um representante comercial, simplesmente desapareceu.



A Pensão Paris, além dos hóspedes diaristas, tinha também alguns mensalistas, dentre os últimos Erotilde, mais conhecido por Tide Tatu, sócio do Supermercado Portugal, o maior da região.



Tide Tatu, notívago de opção, era pessoa de muitas posses, solteiro e muito cobiçado pelas moçoilas casadouras, porém, até então, preferia divertir-se com as duas empregadas da pensão.



As duas moças, freneticamente, reversavam-se nas idas e vindas ao quarto daquele hóspede, no que eram regiamente remuneradas.



Totonho, homem de humor vário, alternando expansão e sisudez, fazia vista grossa quanto ao procedimento do cliente mensalista, pois lhe devia favores e dinheiro.



Ele ocupava o quarto ao lado do de Tide, sendo que, para observar o que ocorria na alcova vizinha, fez, estrategicamente, um buraco à meia altura na parede divisória.



Assim, o comerciante tinha uma parcial visão do que ocorria no quarto de Tide Tatu; as sessões de voyeurismo o levavam ao delírio.



Certa noite ao chegar em casa, já com a hora adiantada, Totonho ouviu rumores no quarto de Tide. Rapidamente, posicionou-se no ponto de observação.



Da atalaia ele notou que a visita do rapaz não era nenhuma das suas funcionárias, pensando com os seus botões: 'O safado trouxe menina de fora'.



Totonho tentou, de todas as formas, reconhecer a mulher, porém em vão; conseguiu não mais do que notar uma pequena rosa amarela tatuada no alto da coxa esquerda da visitante desconhecida.



No dia seguinte, quando Tide Tatu tomava seu café, o dono da pensão aproximou-se e desejou-lhe bom-dia, mantendo após a sua costumeira discrição.



As visitas das empregadas continuaram, até que, no Sábado, ao retornar de uma rodada de carteado, já no seu quarto, reparou que o vizinho recebia visita, assim correu para o posto de espreita.



Totonho, com certa dificuldade devido ao miúdo orifício, não conseguia identificar a visitante. Novamente não era nenhuma das suas domesticas. Percebeu dois seios arfantes, mercê do conluio carnal que se desenrolava. Mas voltou a vislumbrar a mesma rosa tatuada no alto da coxa esquerda, porém na cor vermelha, fato que o deixou intrigado, mas deixou passar.



Certo dia, Jesuíno Pintor apareceu na pensão chamando por uma das empregadas, sendo atendido pelo proprietário. 



- Pois não, Jesuíno, o que você está mandando?



- Tudo bem, Totonho. Só quero falar com Lisbela.



- Um momento, Jesuíno, entre e sente-se um pouco que ela já vem.



Totonho chamou Lisbela, permanecendo de lado ouvindo a conversa.



- Lisbela, o material chegou hoje pelo correio. Se você quiser, pode passar lá em casa hoje à tarde - disse-lhe Jesuíno.



- Que bom, depois do almoço eu irei, pode esperar.



Jesuíno preparou-se para sair, quando Violeta e Poliana chegaram:



- Como vai, Jesuíno, tudo bem? - cumprimentou-o Violeta.



- Tudo bem, graças a Deus, dona Violeta.



- A Lisbela vai fazer tatuagem? - foi a indagação de Violeta.



- Ela já marcou até a hora, dona Violeta.



- É mesmo, Lisbela? - muito bem, qual o tipo?



- Eu quero uma rosa igual a que a senhora e a Poliana fizeram, mas quero maior e no ombro - respondeu Lisbela.



Ao ouvir a resposta, Totonho sentiu as pernas moles, mas conseguiu perguntar:



- Vocês fizeram tatuagem?



- Fizemos, meu pai. A minha é uma rosa amarela e a da mamãe é vermelha!



* Advogado e escritor

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