A palavra proibida

Por Manoel Hygino

Jornal O Norte
Publicado em 01/05/2014 às 07:41.Atualizado em 15/11/2021 às 16:49.

*Manoel Hygino

As palavras mudam de significado com o tempo. Há poucos dias, antes de viajar para o México, a presidente do Brasil afirmou que a crise internacional tende a agravar-se e que não há expectativa de melhorar. Acrescentou: “A luz no fim do túnel não está acesa”. Mas o travesso ministro da Fazenda pediu licença para contradizê-la. “Me permita, presidenta, mas há luz no final do túnel. Só que de uma locomotiva vindo no sentido contrário”.

Alguém imaginaria que isso seria dito no governo genial do seu antecessor? Dilma lembrou a crise econômica de 2009 e reconheceu que os estados, naquele ano, tiveram papel importante na retomada do crescimento. Por que tantas perguntas? Primeiramente, porque na dupla gestão lulista pronunciar o vocábulo “crise” era, no mínimo, inadmissível. O dissílabo foi cortado do dicionário da corte brasiliana; no máximo “marola”, embora trissílabo.

Todas as nações do planeta poderiam sofrer crise, menos o Brasil. Mera pretensão, uma conclusão sem fundamento seguro, porque nenhum povo escapou às consequências daquele ano, como aliás acontecera com a da primeira metade do século anterior, que levara tantas instituições ao desespero e numerosas pessoas à morte.

Pelo menos no primeiro ano e nos primeiros meses do mandato da presidente, não há censura à palavra “crise”, fantasma que teria atormentado o Planalto no período anterior. Entanto, no grande país do Norte a proposta é outra: enfrentar o fantasma. Recentemente, Obama afirmou que a economia dos Estados Unidos sofreu um “ataque cardíaco”. Não há medo identificar a realidade.

O presidente dos Estados Unidos foi além: “Acabamos de sofrer a pior crise (aí está a palavrinha) financeira desde a Grande Depressão e depois das recessões e crises (novamente) financeiras que temos vivido, o presente precisa de tempo para se curar”.

Em resumo, não vamos extrair dos dicionários impressos em nosso país a palavra “crise”, não restrita ao uso na economia, nas finanças ou na política. Porque há ainda as crises esplênicas da icterícia hemolítica ou as crises vasculares de Pal. Dentre outras.

Lembro o que, há muito tempo, escreveu o prof. Antônio Álvares da Silva, analisando a proposta para remoção do Houaiss da palavra “cigano”, supostamente depreciativa: “Punir e limitar registro do que existe nos dicionários é o mesmo que impedir a liberdade de comunicação e expressão”.

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