A ocupação desordenada do cerrado - I

Jornal O Norte
29/12/2008 às 15:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:54

Avay Miranda


Taiobeirense, Juiz aposentado residente em Brasília

A área do cerrado Brasileiro abrange 10 Estados e o Distrito Federal, representando 25% do território Nacional, sendo encontrado na Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia, São Paulo, Tocantins e o Distrito Federal. É o segundo maior bioma do país em área, apenas superado pela Floresta Amazônica.

O cerrado tem importância fundamental já que é uma área transitória entre a floresta Amazônica, a Caatinga e a Mata Atlântica, cobrindo uma área de mais ou menos 2 milhões de km².

Conforme o tipo de vegetação, dos acidentes geográficos e da topografia, as localidades  vão tomando denominações diferentes. As denominações mais conhecidas são: boqueirão, brejo, cabeceira, campina, capão, capoeira, campo, carrasco, cerrado, chapada, charravascal, espigão, gerais, mata, monte, morro, pântano, restinga, serra, tabuleiro, vargem, vazante e vereda. Alguns Municípios tomaram o nome da localidade, como Chapada Gaúcha e Vargem Grande em Minas Gerais, Morro Agudo, em Goiás, Tangará da Serra, em Mato Grosso e Capinas, em São Paulo.

Em Minas Gerais, o cerrado fica mais no Norte, onde é denominado de “Gerais”. Eu nasci e me criei em Taiobeiras, uma cidade que é cercada pelo Cerrado. 

O cerrado que circunda Taiobeiras era rico na sua biodiversidade, destacando-se a flora e a fauna. A flora do Município de Taiobeiras era diversificada, porém, ainda hoje se encontram diversos tipos de madeira nos gerais, nos carrascos e nos vales. O cerrado foi quase todo ocupado pelo reflorestamento, a partir da década de oitenta, promovido pelas grandes empresas, ligadas às Siderúrgicas, utilizando-se dos incentivos fiscais do Governo Federal.

Esperava-se que a utilização do cerrado seria um grande motivo para a promoção do desenvolvimento do Município, porque as empresas adquiriam grandes extensões de terras, por meio de contrato de ocupação com a RURALMINAS, um órgão estadual, encarregado de administrar as terras devolutas. 

Entretanto, elas passaram a implantar o reflorestamento, com a plantação, em primeiro lugar de eucaliptos e, secundariamente, de pinus, transformando o cerrado em mono floresta.

Parece que o reflorestamento foi feito sem nenhum planejamento para o seu aproveitamento no futuro. Tudo indica que as empresas aproveitaram apenas os incentivos fiscais para a sua implantação. Era de se esperar que alguma fábrica de papel, papelão e cortiça fosse implantada na região, para o aproveitamento das grandes florestas artificiais localizadas nos Municípios de Taiobeiras, Águas Vermelhas, Rio Pardo de Minas e São João do Paraíso, depois em outros Municípios.

O eucalipto foi plantado, ofereceu-se muitos empregos para a implantação do reflorestamento, mas, quando ele ficou pronto, provocou-se uma onda de desemprego em Taiobeiras e nas cidades vizinhas, porque as empresas não necessitavam mais da mão de obra, porque o reflorestamento estava completo.

O reflorestamento foi implantado e as árvores ficaram adultas, o que fazer com elas? Então as empresas passaram a transformá-las em carvão vegetal, instalando as diversas carvoeiras na região, transformando aquela riqueza num subproduto para alimentar as Siderúrgicas de Sete Lagoas e Belo Horizonte, ao invés de aproveitar a madeira para transformar num material mais nobre e as folhas das árvores para a extração de essências destinadas às fábricas de produtos de limpeza e perfumaria.

No cerrado, que na região é conhecido por “gerais”, repita-se, encontram-se, nas poucas áreas preservadas dos reflorestamentos, as árvores características, sendo baixas e de galhos tortuosos, como cabeluda, cagaiteira, caviúna, copaíba, gonçalo, jacarandá, jatobá, murici, pau-terra, pequi, tingui e muitas outras. Nos carrascos, que ocupam a área intermediária entre o cerrado e a terra cultivável, encontram-se árvores mais altas e alinhadas e a vegetação é mais densa, contendo araçá, baraúna, caboclo, canela de velho, jacarandá jataipeba, jatobazinho, laranjeira, louro, maracujá, mocambo, pau de leite, pau de sangue, pindaíba, sucupira-branca e outras.

Já nos vales ou nas terras de cultura, ainda se encontram amargoso, angico, aroeira, aroeirinha,  bálsamo, barriguda, candeia, caraíba, carne-de-vaca, gameleira, imbaré, ipê amarelo e roxo (pau d’arco), jequitibá, juá, jurema, moreira, pau-d’oleo, pau-ferro, pereira, peroba, sucupira preta, tamboril, vinhático e muitas outras, com as características de serem bem altas.

Com o reflorestamento do cerrado, houve uma verdadeira devastação da fauna e da flora naturais, acabando-se com os animais silvestres e quase extinção das árvores frutíferas, como o araticum, cagaita, jatobá, mangaba murici, pequi, rufão, e muitas outras. O Pequi é uma riqueza para a região. Ele é aproveitado para diversos tipos de comida. Pode ser ingerido como alimento, cozido com galinhada, com arroz, com farinha, ou puro e pode-se, ainda fazer doce, bolo, licor, creme e outros tipos de alimento. Pode-se, ainda, extrair de sua polpa e da castanha um óleo que é delicioso, que serve para tempero.

No tempo do pequi, que vai do mês de dezembro a março, as pessoas mais carentes têm o seu produto natural para colher no mato e vender nas estradas ou na cidade. Observa-se, visivelmente, que as pessoas ficam mais nutridas, com uma pele bem diferente do restante do ano.

Naqueles meses, não se vê pedintes nas ruas. Eles estão ocupados na apanha do pequi e têm as suas rendas garantidas com a venda do fruto ou com a extração do óleo da polpa e da castanha  para armazenar e vender mais tarde. Em boa hora uma indústria de Taiobeiras, está fazenda parceria com os apanhadores de pequi para a industrialização do óleo como tempero.

Comenta-se que o pequi é afrodisíaco, isto é, proporciona o incentivo à procriação. Este fato provoca muitas discussões, mas, sendo as mulheres e os homens bem alimentados, a lógica indica que daí haverá uma maior possibilidade das mulheres engravidarem-se.

Com a pequena área que restou do reflorestamento no cerrado, para a preservação do pequi e com o costume de se colherem os frutos ainda verdes para venderem para caminhoneiros que levam o produto para outras cidades, surgiu a possibilidade concreta da extinção do pequi, no Município de Taiobeiras e de não ter o povo a oportunidade de saborear o fruto mais conhecido da região.

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