Neste reveillon percebi que está aumentada minha lista de saudade. Outros meus se foram, levados pelo turbilhão do que não sei. Fora o choque da morte de Saddam e do vídeo pavoroso que me fez perder o ar. Por mim, eu que acredito em vida e morte como mesmo sopro, matéria de mesmo espaço, fruto de mesma árvore, por mim vou vivendo esta dicotomia com resignação. Vejam que meu irmão Guilherme montou na nave; a mesma decerto que me trouxe Tom, o pequeno a que chamo Tom Zé – olhei à minha volta - e a prova protocolar da impermanência da vida.
Uns se vão, outros chegam. Tudo é exatamente assim. Nada se pode transformar senão pela força do imponderável e pelo desejo do tempo. Muitos se foram, dos quais sequer sabe meu coração marcado por limites e esgotamento e mais meninos chegaram na algazarra dos gametas. A vida segue como há de ser no ponteiro do relógio a sensação tátil e objeta das horas. Nada morre. Renascer é a ordem - as horas se voltam, repisam em si, sulcam os mesmos passos, fazem mesma coreografia, embora não se repitam, senão pelos números.
Nada é igual ao que foi vivido nem se igualará ao que está por chegar. Não há dois instantes tais, assim como não há pessoas tais. Mas a vida vai se esgotando e não é fácil compreender sua balada, o seu adeus.
Denuncia-se esta aflição no olhar de Hilda, minha mãe, que se vai abandonando, deixando-se dos amigos e das histórias comuns, para viver a solidão da idade. Hilda é um bólido que avança e se vai deixando no caminho, segue sozinha, carregada de lembranças e sonhos nunca sonhados. Está tudo como deve ser e logo chegará a hora de cada um, pois a vida se nos é dada em fartura, priva-nos de seu fulgor quando quer.
Neste final/início de ano, digo por mim, vamos nos apalpando nas perdas. E crendo mais num céu talvez, num plano que é outro, vazio de sólidos. Um plano no qual decerto nos vejamos, os crédulos e os incrédulos para a celebração de domingos e feriados. Um plano no qual não estejam finados a ética e os times de futebol. Um plano onde todos os homens possam se garantir em honras e a bola, enfim, possa entrar no gol adversário, com a mesma destreza com que beija a nossa rede.
Um plano no qual a punição seja regra contra o erro e os homens possam elevar os olhos e, ao sentir vergonha, perdoar-se. Um plano onde não haja dinheiro que divida e possamos, tal como Bandeira em Arte de Amar, compreender que “a alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação, não noutra alma. Só em Deus ou fora do mundo”. Fora do mundo é este outro plano sobre o qual me debrucei na noite de artifícios.