A MPB sem censura - por Pedro Alexandre Sanches

Jornal O Norte
25/01/2007 às 10:07.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:56

Pedro Alexandre Sanches *

Se na década de 90 a pirataria monopolizou as preocupações da indústria fonográfica mundial, neste início dos 2000 a distribuição desenfreada de imagens via internet é que se espalha irremediavelmente, afetando em especial as redes de televisão, de modo análogo ao que já vinha acontecendo com as gravadoras. O YouTube (www.youtube.com), líder entre os sites de compartilhamento livre e gratuito de vídeos, é a bola da vez no Brasil.

Enquanto isso, numa linha paralela a essa, os subterrâneos do YouTube ocultam um debate mais próprio ao mundo da cultura, mas também limítrofe entre a arte e a contravenção, entre os avanços culturais e o crime.

É que rapidamente o site vem se tornando um acervo monumental de imagens raras (e às vezes semi-inéditas), que contam, por elas próprias, a história da música popular. No Brasil, de Noel Rosa tocando com o Bando dos Tangarás na década de 1930 ao rap de protesto dos Racionais MC’s no fim do século XX, tudo parece estar traduzido em imagem e som no YouTube.

Além de resgatar momentos de valor histórico inestimável, como cenas de Carmem Miranda em Hollywood ou do advento dos músicos tropicalistas nos festivais da canção do fim dos anos 60, a rede abriga, também, flagrantes às vezes constrangedores, mas que ajudam a entender lados obscuros da personalidade de seus ídolos, muitas vezes escamoteada pela mídia tradicional.

Exemplo admirável pode ser encontrado digitando os termos “João Gilberto” no campo de busca do YouTube. Ali aparecerá, entre muitas outras, a imagem raríssima do artista, ainda desconhecido, tocando violão em acompanhamento à cantora Elizeth Cardoso, antes da eclosão da bossa nova.

A questão YouTube é delicada no que diz respeito às redes de tevê, das quais vem sendo captada clandestinamente uma infinidade de cenas antológicas, que até há pouco eram propriedade exclusiva da Rede Globo e congêneres. Apenas digitando as palavras-chave adequadas, tem-se acesso imediato a cenas preciosas: o compositor Sérgio Ricardo quebrando o violão num festival da canção da Record; um encontro televisivo hoje semi-esquecido entre Gal Costa e Elis Regina, pouco antes da morte desta; imagens da Bandeirantes focalizando a comunidade hippie dos Novos Baianos, no início dos anos 70; a aparição dos jovens da geração roqueira dos 80 no programa do Chacrinha, na Globo; e assim por diante.

É que qualquer espectador pode gravar a cena que quiser da tevê e transferir sem qualquer dificuldade ao YouTube, compartilhando-a assim com o resto do planeta.

Entre os prediletos estão os conflitos entre João Gilberto e os fãs e cenas da vanguarda paulistana no Festival dos Festivais de 1985, da Globo. Passam por ali de imagens raras de Gonzaguinha a trechos do espetáculo mais recente de Chico Buarque.

No fio da navalha entre o trabalho institucional e a pirataria encontra-se, enfim, o protagonista deste novo momento, o YouTube. Criado em 2005 por dois jovens na faixa dos 20 anos, o site foi comprado há dois meses pelo Google, pelo valor fabuloso de 1,65 bilhão de dólares. E procura se cercar juridicamente, enquanto dribla o esvaziamento já vivido por sites de compartilhamento gratuito de música, combatidos ferozmente pelas multinacionais que detêm os direitos dos fonogramas mais populares.

Nos termos de uso e nas definições de políticas de privacidade do site, afirma-se que o YouTube respeita rigorosamente as leis de copyright e se compromete a excluir os vídeos que as desrespeitem. Também recebe e acata denúncias sobre conteúdos inapropriados (de pornografia, por exemplo). Assim é que, apesar do desagrado de Daniela Cicarelli, tem se empenhado em retirar de suas listas o célebre vídeo da praia.

O problema é que, do outro lado da tela, estão mais de 100 milhões de usuários diários, alguns dos quais sempre dispostos a inserir de volta as imagens. Contra essa nova realidade, nem a Globo, nem gravadoras, nem muitos medalhões pop se animaram ainda a lutar. Enquanto isso, cresce desordenadamente o volume de fofoca, mas também o de cultura em circulação na grande rede.

* Jornalista e crítico musical

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