A moça da flor

Jornal O Norte
14/09/2005 às 11:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:51

Ary Penaverde

O  Dr. Orlando levantou-se, endireitando o casaco e olhou as pessoas caminhando pelo passeio da praça. Ele procurou pela moça com a rosa cujo coração ele conhecia más não o rosto.

Seu interesse por ela havia começado 30 meses antes, numa livraria da cidade.

Tirando um livro da prateleira, ele se pegou intrigado, não com as palavras do livro, mas com as notas feitas a lápis nas margens.

A escrita suave refletia uma alma profunda e uma mente cheia de brilho.

Na frente do livro, ele descobriu o nome do primeiro proprietário, Carmem Lúcia, com tempo e esforço, ele localizou seu endereço.

Ela vivia na capital do estado, tinha estudado naquela cidade do interior, más mudou-se para a capital.

Ele escreveu a ela uma carta, apresentando-se, falando da sua admiração e convidando-a a corresponder-se com ele.

Na semana seguinte ele viajou para a Europa, precisamente para a Itália onde faria um curso de especialização com duração de 15 meses.

Durante o ano seguinte, mês a mês eles desenvolveram o conhecimento um do outro através de suas cartas.

Cada carta era uma semente caindo num coração fértil, um romance de companheirismo.

Orlando pediu uma fotografia, mas ela recusou, ela sentia que se ele realmente desse importância ao romance que nascia, não importaria como ela era, ou com sua aparência.

Quando finalmente chegou o dia em que ele retornou da Europa, eles marcaram seu primeiro encontro, 07h00min da noite na Praça da Matriz, após a missa. - Você me reconhecerá, ela escreveu, pela rosa vermelha que estarei usando na lapela.

Então, às 07h00min ele estava na praça, eufórico procurando pôr uma moça cujo coração ele amava, mas cuja face ele nunca havia visto.

Vou deixar o Dr. Orlando dizer-lhes o que aconteceu:

- Uma jovem aproximou-se de mim, sua figura era alta e magra, seus cabelos loiros caíam pelos ombros, seus olhos eram azuis, seus lábios e queixos tinham uma firmeza delicada e seu traje verde pálido era como se a primavera tivesse chegado.

Eu me dirigi a ela, inteiramente esquecido de perceber que ela não estava usando uma rosa, como eu fui em sua direção, um pequeno e provocativo sorriso curvou seus lábios.



- Indo para o mesmo lugar que eu, senhor? - ela murmurou.

Quase incontrolavelmente, dei um passo para junto dela, e então eu vi Maria Helena, ela estava parada quase que exatamente atrás da moça.

Uma mulher já passada dos 50 anos, ela tinha seus cabelos grisalhos enrolados num coque, fixo por um pregador rústico e horrível.

Ela era muito gorda, seus pés apertados em sapatos de saltos baixos.

A garota de verde seguiu seu caminho rapidamente.

Eu me senti como se tivesse sido dividido em dois, tão forte era meu desejo de segui-la e tão profundo era o desejo por aquela mulher cujo espírito verdadeiramente me acompanhara e me sustentara através de todas as minhas atribulações por mais de um ano.

E então ela parou, sua face pálida e gorducha era delicada e sensível, seus olhos tinham um calor e simpatia cintilantes.

Eu não hesitei, meus dedos seguraram a pequena e gasta capa de couro azul do livro que a identificou para mim.

Isto podia não ser amor, mas poderia ser algo precioso, talvez mais que amor, uma amizade pela qual eu seria para sempre cheio de gratidão.

Eu inclinei meus ombros, cumprimentei-a mostrando o livro para ela, ainda pensando, enquanto falava, na amargura do meu desapontamento.

- Sou o Dr. Orlando e você deve ser a Carmem Lúcia.

- Estou muito feliz que você tenha podido me encontrar, posso lhe oferecer um jantar?

O rosto da mulher abriu-se num tolerante sorriso e ela disse;

- Eu não sei o que está acontecendo, aquela jovem de vestido verde que acabou de passar me pediu para colocar esta rosa no casaco.

- E ela disse que se você viesse conversar comigo, eu deveria lhe dizer que ela esta esperando por você no restaurante da esquina, e que isso era um tipo de teste!

Lógico que fui correndo ao restaurante da esquina, não foi difícil para eu compreender e admirar a sabedoria da Carmem Lúcia, por tudo isso estamos juntos a vinte e cinco anos, hoje na companhia de três filhos maravilhosos.

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