A leveza de um nome se impõe no mundo das artes: Fátima Campos

Jornal O Norte
24/06/2009 às 10:21.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:02

Leonardo Álvares da Silva Campos *

Muitas coisas sabe a raposa; mas o ouriço uma grande."   Acerca dessa passagem, disse o jusfilósofo Celso Lafer tratar-se de "verso do poeta grego Arquíloco, a partir do qual Isaiah Berlin propôs um critério para classificar escritores e pensadores, diferenciando-os a partir de certos traços definidores de suas obras.  Existem, observa ele, os que relacionam tudo a uma visão unitária e coerente, que funciona como um princípio organizador básico do que pensam e percebem.  São os ouriços, que assim articulam uma perspectiva centrípeta e monista da realidade.  Outros, ao contrário, se interessam por várias coisas, perseguem vários fins e objetivos - por vezes não-relacionados ou até mesmo contraditórios - cuja interconexão não é nem óbvia nem explícita.  São as raposas, que dessa maneira exprimem uma perspectiva centrífuga e pluralista da realidade." (Celso Lafer, em "A reconstrução dos Direitos Humanos - Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt"; 2003, Companhia das Letras, pág. 13).

O mundo das artes apresenta a mesma nota característica das raposas, que andam por vários lugares e fogem de um centro, imaginário, que a bem dizer não existe no universo da imaginação.  Em outras palavras, esse suposto centro não seria mais que um esforço de compreensão das interconexões dos universos paralelos da criatividade. A transposição, do planeta da ciência para a orbe das artes, da famosa frase gravada na Praça do Relógio da Universidade de São Paulo,  bem poderia ser a de que, no universo artístico, o centro (também) está em toda parte.

Ainda assim, ampliando o foco da dicotomia analisada por Celso Lafer, será possível verificar que alguns artistas vão e vem do mundo das artes, transitam por outros lugares (e normalmente àquele retornam - porque Artistas), respiram o ar das montanhas e sentem a brisa do litoral.  Desse ponto-de-vista, não só nos escritores e pensadores, mas também nos artistas, se pode identificar uma natureza predominantemente raposa ou ouriço.

A artista plástica Fátima Campos, por sua trajetória, revela-se mais raposa que ouriço.

Nascida no dia 08/03/1950, desde muito jovem dedicou-se ao estudo do piano e da música no Conservatório Estadual Lorenzo Fernandez, quando residia em sua cidade natal, Montes Claros.

Em 1973, já morando na cidade de São Paulo, aprofundou os seus estudos de artes plásticas, concluindo curso de desenho e pintura na Escola Panamericana de Arte, oportunidade em que a artista, ainda iniciante, foi agraciada com menção honrosa conferida pela Diretoria e pelo Corpo Docente da Escola.

Também na Escola Panamericana de Arte, a artista finalizou, em 1976, o curso de arquitetura de interiores. 

Na Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (São Paulo - SP), a artista seguiu, nos anos de 1982 e 1983, os cursos-livres de desenho, pintura e cerâmica.

Em 1993, a reafirmar os interesses da artista em áreas diversas do conhecimento, Fátima Campos, ainda residindo em São Paulo, formou-se em Direito, para retornar em seguida às suas origens, no Estado de Minas Gerais, em 1995.  Desde essa data mora com a família em Belo Horizonte.

Telas da artista integram o acervo do Museu de Arte do Parlamento de São Paulo (São Paulo, SP), do Museu de Arte de Itápolis (Itápolis, SP) e, no exterior, do Museu de Arte Ítalo-brasileiro (Pomezia, Itália).

Até aqui falei, de modo o mais objetivo possível, da artista plástica Fátima Campos.

Passo a falar a seguir de minha irmã, a dileta irmã que papai carinhosamente chamava de Patim.  Sim, por dever de honestidade intelectual devo informar ao leitor que, se procurei na primeira parte deste texto fazer uma crítica isenta dessa pintora talentosa, dedicarei sua segunda metade à nota afetiva que nos une de modo especial. Mas não creio ser favor algum situá-la dentre os dez maiores artistas plásticos montesclarenses na história de nossa cidade até agora. Também se encontra entre os mais destacados pintores de nosso Estado e até mesmo do país.

Para que o leitor possa conhecer, em seu contexto, um pouco mais da vida da minha irmã, informo que somos uma família de seis irmãos. Somos montesclarenses de nascimento e também por parte de mãe (dona Terezinha Peres Álvares da Silva Campos), avô (quem não se lembra do carismático comerciante Francisco Peres Durães, o inesquecível "Sica Peres"?) e avó (os mais antigos também hão de se lembrar de Dona Helena Fróes Peres).

Já o nosso pai é de Paracatu - MG, mas o conhecido dr. Bento Álvares da Silva Campos advogou nestas bandas do setentrião mineiro por toda a sua vida profissional. De estirpe das mais tradicionais das Gerais, aqui chegou e se estabeleceu, para apaixonar-se e deixar brotarem em Montes Claros os ramos da nossa família. Trineto de dona Joaquina do Pompéu (nome exponencial na história política mineira, em que, mesmo nessa atividade tradicionalmente reservada aos homens, anunciou com ineditismo a autonomia feminina, e também se faz conhecer, ainda hoje, pelas lendárias estórias que a envolvem, tratadas no livro "Sinhá Braba", de Agripa Vasconcelos), sua gente é de fazendeiros (daí, quem sabe, o "Campos" de nosso sobrenome). Mas também de juristas como o seu pai, o juiz de Direito Martinho Álvares da Silva Campos Sobrinho (que hoje dá nome ao Fórum de Paracatu), e como seu irmão, o professor de Direito Carlos Campos (catedrático na Faculdade de Direito de Belo Horizonte, hoje UFMG). Papai mantinha vivo o gosto por sua fazenda em Paracatu, enquanto prosseguia à frente de seu escritório em Montes Claros, praticando também com enorme desembaraço advocacia social, além de lecionar Direito Civil na Faculdade de Direito de Montes Claros (atual Unimontes). Dedicou toda a sua vida aos ideais da Justiça e da verdade, contribuindo para a construção de Montes Claros em anos decisivos do seu desenvolvimento humano e econômico.

Mas, voltando ao nosso tema, Fátima sempre foi discreta, embora com a característica marcante da independência. Assim, após casar-se, Patim logo em seguida mudou-se com o marido para São Paulo, onde teve seus dois filhos, Tatiana Campos Netto (Tati), que é poeta de mão cheia, e Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, que eu chamo de Toninho e se diz montesclarense de coração. Tati já tem uma filha e Toninho, casado com Luciana, também tem a sua.  Já há um bom tempo moram em Belo Horizonte, onde a mãe, minha querida irmã, tem se destacado nas artes plásticas, expondo não só em Belo Horizonte, mas também muito intensamente em São Paulo.

Papai partiu em 1984, e hoje moramos em Belo Horizonte, além de mamãe, este escriba (e as filhas Monalisa, que, muito jovem, cursa Direito e já é funcionária concursada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Lorena, que é sensível artista e competente servidora da Assembléia Legislativa, e a querida Samantha); Carlos (médico, casado com Heloísa Jardim e pai dos pequenos Sofia e Henrique); Júnia (funcionária pública federal, casada com Paulo Martins e mãe da bela Ana Laura e de André, adolescente); Maria Tereza (advogada, casada com Luís Roberto Godoy Alves, mãe da habilidosa advogada Rafaela, de Bruna, que também estuda Direito, e do recém-formado e destacado engenheiro Daniel), além de Fátima, seus filhos e netas.  Alexandre, diligente e eficiente diretor da Vara do Trabalho de Montes Claros, pai do exemplar Saulo, da adorável Letícia e da iluminada Natália, não deixa nossa terra por nada deste mundo, apaixonado como é por nossas raízes.

Assim, nossa família cresceu e, como hoje falo de Fátima, vejo com alegria que sua saída para outras terras foi muito proveitosa.  Isso ocorreu logo após o findar da efervescente década de 1960, cujo espírito bossanovista também se fez muito presente em Montes Claros. À época, eu tinha grande saudade de Patim, mas agora vejo que tudo valeu à pena, e é por causa das andanças de Fátima que hoje posso ler em suas telas a estória de uma vida multifacetada, como procurei demonstrar na primeira parte deste texto. A sua permanência em São Paulo, por alguns anos, embora nos tenha sido particularmente sentida, foi-lhe proveitosa nos cursos que fez, tanto seguindo no Direito a tradição de nossa família, como ao dedicar-se àquilo que verdadeiramente ama, ou seja, depois da família, as artes plásticas, especialmente a pintura, apesar de ser também uma ceramista primorosa.

Tenho aqui em minha sala uma marinha que Fátima me presenteou. Junto a ela sinto-me mais próximo ao mar que tanto me agrada. Escuto as ondas que saltam da tela e lembro-me dos dias agradáveis que passávamos em Guarujá, litoral paulista, quando Fátima morava em São Paulo. Sinto-me feliz em conviver agora, de modo ainda mais próximo, com a dileta irmã, acompanhando-a em exposições e nos eventos artísticos que tanto lhe interessam, além dos encontros em sua casa, com filhos, irmãos e sobrinhos.

* Escritor, jornalista, advogado e paleoantropólogo; autor do recém-lançado A inacabada família humana e de O homem na pré-história no Norte de Minas

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por