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Sábado,28 de Junho

A invenção da cachaça, segundo um filho ilustre de Taiobeiras

Jornal O Norte
Publicado em 02/06/2009 às 09:50.Atualizado em 15/11/2021 às 07:00.

Avay Miranda


Juiz de Direito aposentado e residente em Brasília - DF



Antes ela tinha o nome de água ardente de cana. Várias outras denominações, como cachaça, pinga, branquinha, caninha e muitos outros apelidos serviam para denominar a bebida. 



Normalmente no rótulo das garrafas, vinha escrita a marca do fabricante, ou o nome da cachaça e embaixo, a denominação de água ardente de cana. 



Os fabricantes, com muita criatividade, davam nomes exóticos ou engraçados para o produto de seu engenho. Encontrei nomes muito interessantes, como “Providência” de Buenópolis – MG, “Amansa Corno”, do interior de Pernambuco, “Cachaça Caribé”, de Januária – MG, “Chifre de Bode”, do Nordeste, “Cachaça do Ministro” de Alexânia – GO, “Caipirona” de Mar de Espanha – MG, “Caranguejo” de Capina Grande – PB, “Patativa” do Grato – CE, Pitu, de Pernambuco, Rapariga, de Viçosa, Ceará.



A água ardente de cana ou a cachaça, inicialmente era fabricada apenas artesanalmente, por meio do alambique e era a bebida dos escravos, mas, com o passar do tempo, ela foi conquistando o mercado e atualmente é bebida utilização em todas as camadas sociais e é um produto de exportação do Brasil, muito apreciada em vários paises.



A cachaça é tida como uma bebida originalmente brasileira, mas, não havia nenhum legislação neste sentido. Com a necessidade de disciplinar sua fabricação e comercialização e definir a sua origem, para efeito de exportação, foi necessário o governo dar uma denominação à água ardente de cana fabricada no Brasil.



Assim, no artigo 92, do Decreto do Presidente da República, n° 2.314, de 04.09.1997, com nova redação dada pelo Decreto n° 4.851, de 02.10.2003, conceituou assim, a cachaça:



“Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro, expressos em sacarose.”



É bom lembrar que mosto é o nome da garapa fermentada, no ponto de levar ao alambique para a destilação. 



Com o nome oficializado, todos os fabricantes tiveram que mudar os rótulos das embalagens, colocando o nome “cachaça” no lugar de “água ardente de cana”.



O grande mercado que havia à disposição do produto, propiciou a multiplicação dos fabricantes no país. Calcula-se que existem 30.000 fabricantes no território Brasileiro. Em 1930, começou a industrialização da água ardente de cana, especialmente no Estado de São Paulo. A partir de 1990, Minas Gerais passou a liderar a produção da cachaça artesanalmente, isto é, aquela fabricada com garapa de gana fermentada, e destilada.



Assim, São Paulo lidera a produção de cachaça industrializada e Minas Gerais é o maior produtor de cachaça fabricada artesanalmente. Calcula-se que Minas Gerais produz por ano 1 bilhão e 500 milhões de litros de cachaça.



Voltemos à invenção da cachaça. Existe controvérsia na origem da cachaça. Alguns historiadores dizem que ela foi inventada pelos europeus e outros dizem que foram os egípcios que inventaram a água ardente, ou os gregos, mas existem vários registros de que, como o cultivo da cana de açúcar, oriunda do Sul da Ásia e trazida por Portugal deu muito certo no Brasil Colônia, Afonso Martins de Souza, quando veio de Portugal para governar o Brasil, em 1504, trouxe em sua bagagem um alambique. Ora, se já existia alambique em Portugal é porque eles já conheciam o sistema de fabricar bebidas destiladas.



Registra, ainda a história, que num engenho de fabricação do açúcar, o denominado Engenho São Jorge dos Erasmos, instalado na Capitania de São Vicente, em São Paulo, em 1532 descobriu-se um vinho retirado da cana de açúcar, a garapa azeda.



Outros registros históricos dizem que em 1638 já havia a comercialização de cachaça nas vendas de São Paulo.



No Século XVII, Pernambuco exportava cachaça para Angola, em troca de escravos. Registra-se que aquela exportação montava em 350 pipas por ano. Naquele mesmo Século registrava-se que na capital da Bahia existiam 35 alambiques e 32 no Recôncavo baiano.



Portanto, existem várias versões sobre a invenção da cachaça, entretanto, tem uma que gostei muito e não estou afirmando que a cachaça foi assim inventada, mas, que tem procedência, tem.



Para se ter melado para a fabricação do açúcar, os escravos colocavam o caldo da cana de açúcar em um tacho e levavam ao fogo. Não podiam parar de mexer até que uma consistência cremosa surgisse. Porém um dia, cansados de tanto mexer e com serviços ainda por terminar, os escravos simplesmente pararam e o melado desandou.



Eles ficaram sem saber o que fazer com aquele melado.



Alguém deu a idéia de guardá-lo longe das vistas do feitor. No dia seguinte, encontraram o melado azedo fermentado. Não pensaram duas vezes e misturaram o tal melado azedo com o novo do dia e levaram os dois ao fogo. Resultado: o “azedo” do melado antigo era álcool que aos poucos foi evaporando e formou no teto do engenho umas goteiras que pingavam constantemente.



Era a cachaça já formada que pingava. Daí o nome “PINGA”. Quando a pinga batia nas costas dos escravos, marcadas com as chibatadas dos feitores, ardia muito, por isso deram o nome de “ÁGUA-ARDENTE”. Caindo em seus rostos escorrendo até a boca, os escravos perceberam que, com a tal goteira, ficavam alegres e com vontade de dançar.



E sempre que queriam ficar alegres repetiam o processo. Daí para  frente foi fácil, fabricaram o alambique, colocaram o capelo e passaram a fermentar o melado, por 24 horas, fervia o líquido no alambique e com a água fria no capelo, que recebia o vapor, jorrava a danada da cachaça, como é feita, artesanalmente hoje.



Na destilação da cachaça, são coletadas três frações: Cabeça (15% do volume destilado), Coração ou o Meio (70% do volume destilado) e a Cauda ou Água Fraca (15% do volume destilado). Se não houver a observação desta porcentagem, a cachaça não fica de boa qualidade. A fração Cabeça é rica em metanol e ácidos e não deve ser comercializada nem utilizada para consumo. Na fração Coração ou Meio, são coletados os principais compostos desejáveis na cachaça e na fração Cauda ou Água Fraca, são encontrados os compostos com altas temperaturas de ebulição.



Taiobeiras é grande produtora de cachaça artesanal, entretanto, não existem muitas engarrafadoras do produto no Município, por isto não tem nome. O peroduto é vendo no barril, sem rótulo. Este tipo de cachaça, vendia à granel, leva o nome de “carraleira”. A maior parte do produto fabricado no Município é vendida para as engarrafadoras de Salinas. Estão começando agora com o engarrafamento e a comercialização de cachaça como produzida no Muncípio, como a “Cachaça Taiô”,  de boa qualidade. 



Em meados do Século passado, a cachaça mais famosa de Minas era de Januária, como a “Caribé”, mas, por causa da deterioração da qualidade do produto, talvez por interesse de obter mais lucros, aquela cidade perdeu a primasia para Salinas, que atualmente é a cidade que tem mais fábrica artesanal de cachça. Existem mais de 60 nomes de cachaça em Salinas e a mais famosa delas é a “Havana”, que depois passou a denomiar-se “Anísio Santiago”, o introdutor do fabrico de cachaça naquela cidade, em 1943. Existem outros nomes engraçados em Salinas, como “Beija-Flor”, “Boazinha”, “Indaiazinha”, “Meia Lua”, “Salicana”, “Só Luar”  e muitas outras.



Calcula-se que, levado pela qualidade do solo e do clima, o Norte de Minas é detentor de 30% das fábricas de cachaça de Minas Gerais.

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