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A gente não quer só...

Jornal O Norte
Publicado em 27/10/2010 às 09:17.Atualizado em 15/11/2021 às 06:42.

Mara Narciso


Médica, jornalista e autora do livro Segurando a Hiperatividade



As escolhas vão se alternando na conformidade da moda. É tão natural comer pizza e sanduíche como pratos de resistência, que crianças e jovens não querem saber de outra coisa.



Um adulto que nunca viu e nem comeu arroz com pequi, por ser comida de sabor intenso, dificilmente apreciará o prato durante a experimentação. Depois, quem sabe?



O senhor João Paculdino, patrão e grande amigo do meu avô Petronilho Narciso, era homem de refinados gostos. Exerceu influência no então jovem funcionário, o qual na década de 1930 aprendeu a dirigir, e algum tempo depois, teve sua geladeira e telefone no primeiro lote desses bens em Montes Claros. Quando aconteceram os casamentos das suas filhas, que eram seis, as festas foram sofisticadas para o local e a época, com champanhe francês, uísque escocês, bombons finos e frutas vindas do sul.



Não raro, alguém de gosto simples torce o nariz para comidinhas finas e requintadas, especialmente se são bichinhos ou plantinhas desconhecidas, tostadas, nadando em um molho espumante estranho e em porções minúsculas. Quem se habilita? Após umas poucas tentativas, e em casos de sabores delicados, já na primeira vez, curiosamente, alguns podem pedir e recomendar a nova iguaria. Acabam por ajustar as papilas gustativas para o que consideraram bom. Surge daí mais um fino gosto.



Também na música acontece coisa semelhante. Os ouvidos precisam de treino para gostar das variações de sons, ritmos, pausas e velocidades das melodias mais complexas. A música altera o ambiente, as pessoas e os comportamentos. O som alto enlouquece multidões, que cantam e dançam, intensifica a fé, firma convicções políticas e leva a idolatria.



Missões militares se valeram de marchas cadenciadas associadas a um hino encorajador. Esta combinação afasta o racional e o medo, e o grito de guerra leva a tropa a enfrentar o inimigo de forma destemida.



Uma batida musical simples, com melodia que utiliza três acordes, um refrão banal repetido, tem os quesitos necessários para fazer sucesso, caso haja um marketing que não poupe incentivos financeiros. Os estilos musicais separam as classes sociais em castas, com poucas surpresas. Um tipo mais complexo de música pode ser apreciado a qualquer tempo, mas quando o contato se inicia cedo, é mais fácil a pessoa se enamorar dele. Os desenhos animados com música clássica são uma tentativa de fazer essa aproximação precoce.



No fundo, o gostar ou não gostar de sabores e músicas vai do conhecer, do reconhecer, do acostumar, e de ver tal hábito valorizado no meio em que se vive. Os comerciais têm alto poder persuasivo, mas os desejos de consumo se iniciam no espírito de imitação e inveja. Quando é preciso escolher entre uma coisa e outra, os publicitários sabem a influencia do ambiente nas coisas simples, até mesmo no saber apreciar e comer saladas e frutas.



Falar das interferências no gosto palatável e musical não é ideia boa e muito menos original. Não precisa dizer em quem vota e nem o que lê e vê, mas, diga o que come e o que ouve, e já se saberá o suficiente sobre você. As pessoas, mais do que nunca, são o que comem, e principalmente comem e ouvem o que são.

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