A favelinha - por João Caetano Canela

Jornal O Norte
Publicado em 23/05/2008 às 10:29.Atualizado em 15/11/2021 às 07:33.

/João Caetano Canela



Havia uma terra às margens do córrego poluído. Na verdade era um espaço institucional, destinado a uma futura área verde. Aí eles vieram e ocuparam esse espaço, sem que ninguém os impedissem.



A princípio, armaram coberturas de lona preta. Depois, passaram a erguer uns barracos, com tábuas encardidas, folhas de zinco, pedaços de papelão, enfim, com esse restolho que a população que tem recursos descarta na rua e que eles catam no lixo e aproveitam como matéria prima de suas casas. 



Pronto: o aglomerado miserável e sórdido se formou ali - a favelinha. E com um detalhe: por último, aqui e acolá, começam a surgir na sua paisagem precários barracos de alvenaria, construídos sem simetria e preocupação urbanística.



Energia elétrica? Puxaram um fio de luz (sustentado por uns varões que arranjaram) de um poste das proximidades. Àgua?  Acharam uma rede que passava nas imediações e tiraram um cano para uso geral, que nem um chafariz comunitário. No mais, lançam os seus dejetos, bem como o lixo caseiro que produzem, no córrego, que esgoto este já é. Tudo, pois, clandestino, feito “na tora”, que é assim que eles dizem.



Não, ninguém ali “esquenta” com nada, até porque ninguém ali tem nada a perder. E nenhum fiscal tem mesmo peito de vir bulir com eles, como, por exemplo, desligar-lhes os “gatos”, ainda mais que, se o fizer, o fará em vão, já que em seguida eles os religarão.



A favelinha, agora, conta com luz elétrica e água - duas conquistas irreversíveis: doravante, ninguém mais tirará aquela aguinha dali; e muito menos apagará aquelas luzinhas que brilham no interior dos barracos durante a noite.  



Já tem marginal, sim, e traficante. E dai? Queriam que ela produzisse o quê? Sacerdotes? Ora, se as próprias autoridades fazem vista grossa, e se ausentam dali, que se pode esperar? Inclusive, pessoalmente eu acho uma coisa, por mais triste que seja achar isto: o poder público, incompetente e sem vontade política, desistiu dessa luta impossível que é governar este país. 



Se bem que de vez em quando a polícia acha de baixar na favelinha. O que a polícia pode fazer ali? Não pode fazer muita coisa – porque encontra tudo tão errado, tudo tão profundamente incorrigível - mas faz aos menos umas brutalidades (baixa o pau em todo mundo, indiscriminadamente) para mostrar que é polícia. Depois vai embora, deixando atrás de si a mesma desgraceira de uma terra que continua sendo de ninguém.



O que fazer? Certo seria o poder público encontrar meios de interferir ali, que não apenas através da polícia. Aliás, melhor mesmo é impedir que essa favelinha se alastre da maneira que vem se alastrando, impedir que ela cresça e se transforme no que toda favela afinal se transforma: um lugar ruim que atenta contra a dignidade humana. Mas para isto o poder público teria de atuar e investir em moradias, quando não faz nenhuma das duas coisas.



Daqui a algum tempo os barracos se multiplicarão na favelinha, numa velocidade incrível, incontrolável, e então será impossível exercer qualquer controle sobre ela. Penso nisso com um horror ainda maior quando imagino que não há solução para este problema, pelo menos a curto e médio prazo.



Sim, a favelinha cresce. Ainda ontem vi um homem contribuindo para aumentá-la, construindo a sua moradia com tábuas de caixotes velhos, pedaços irregulares de telhas de amianto, restos de calhas enferrujadas, varões tortos etc., material sujo e escuro que se encontrava amontoado no chão e que resultará em mais um barraco sórdido e miserável entre os já existentes ali.

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