A casa das liras - por Antônio Augusto Souto

Jornal O Norte
Publicado em 20/07/2007 às 15:42.Atualizado em 15/11/2021 às 08:10.

Antônio Augusto Souto



Dia desses, revisitei Ouro Preto e a casa onde viveu e sonhou Tomás Antônio Gonzaga. A cidade continua a mesma e, espera-se, continuará a mesma  patrimônio histórico da humanidade que é. A casa está bem conservada e linda: porta ampla e onze janelas azuis. Estava franqueada à visitação pública.



Entrei e subi escada.



Gosto da história de Minas  embora não morra de amores pela personagem Tiradentes  e adoro a poesia árcade. Em razão disso, toda vez em que entro em Ouro Preto, só consigo ver e respirar Vila Rica. As ruas íngremes, os becos, o casario antigo, tudo, para mim, tem alguma coisa de conspiração, de covardia e traição. Pelas ruas, becos e travessas de pedras brunidas pelo tempo, sinto que circulam, de noite e de dia, os sonhadores, os pusilânimes e os traidores. Vila Rica sobrevive, em Ouro Preto.



Na casa de Gonzaga, há restos de nobre mobília e, o mais comovente, fortíssima emanação de musa  Marília!





Dei alguns passos, encostei-me em cada uma das janelas. Olhei o cenário  telhados envelhecidos, algumas torres e a serra. O cenário granítico de Cláudio Manuel da Costa. Desci escada, parei diante da porta enorme. Por ela, apenas a poesia saiu liberta.



Como estava de passagem, a demora foi curta. Retornava de praia capixaba e sentia saudade da minha casa, do meu quintal e do meu sertão pobrezinho.



Ao deixar Ouro Preto/Vila Rica, pensei em Cecília Meireles: “Liberdade, ainda que tarde, / ouve-se em redor da mesa. / E a bandeira já está viva / e sobe, na noite imensa. / E os seus tristes inventores / já são réus  pois se atreveram / a falar em liberdade”.



Meu Brasil libertou-se de Portugal e, com muito empenho, imunizou-se contra a influência européia. Vem assumindo sua africanidade e, aos poucos, vai-se livrando dos poderosíssimos do Norte. Diplomática e economicamente, aproxima-se da África, origem de grande parcela de sua população. Berço de sua música mais representativa, de dulcíssimos modismos lingüísticos, de tantos usos e costumes! De lá, veio a mão-de-obra, embora escrava, que ajudou e ainda ajuda (agora, libertada) a construir uma das doze maiores economia do mundo.



No meu Brasil, há liberdade de imprensa, direito de ir e vir, direito de votar e liberdade para escolher. Por outro lado, ainda há brasileiros, talvez saudosistas dos anos de chumbo, que entendem ser o povo incapaz de escolher seus dirigentes. Só eles são capazes. O único voto consciente é o seu. Ora, no sistema democrático, o que vale mesmo é a decisão da maioria. À minoria derrotada, nas urnas, só resta aceitar. Ou chorar.



O versinho de Virgílio, “Libertas, quae será tamen”, ainda é atual. A bandeira destas Minas Gerais ainda é exortação, apelo à consciência, desafio... coisas assim.



Há muita liberdade a ser conquistada. Os brasileiros  inclusive aqueles de que falei, linhas atrás  precisam livrar-se, ainda que tarde, da escravidão da pobreza material e espiritual, do atraso e da ignorância.

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