A busca do homem

Jornal O Norte
28/11/2005 às 11:55.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:54

Eustáquio Narciso *

Neste mundo conturbado pela violência, as pessoas procuram em que se apegar, à guisa de preservação e de caminho seguro, que propicie a chegada tranqüila. Há milênios, o homem, essência divina, o maior fenômeno do Universo, busca a si mesmo, no outro. Ele se busca também na alteridade. Mas este encontro, muitas vezes, se dá de forma violenta. No plano do fenômeno, na realidade que se nos afigura, percebemos um homem voltado para o exterior, perdido nos liames da materialidade, sem se preocupar com o seu próprio ethos, como morada (Heidegger) confortável, tranqüila, porto seguro e certo, da sua própria essência.

Ao contemplar a posição de Sócrates, relativo à violência, mister se faz lembrar que muitíssimo se discutiu sobre as razões que levaram a condenação de Sócrates. Do ponto de vista jurídico, está claro que procediam os crimes que lhe foram imputados. Ele ‘não acreditava nos deuses da cidade’ porque acreditava num Deus superior e ‘corrompia os jovens’ porque lhes ensinava essa doutrina. Entretanto, depois de se ter defendido corajosamente no tribunal, tentando demonstrar que estava com a verdade, mas não tendo conseguido convencer os juizes, aceitou a condenação e recusou-se a fugir do cárcere, apesar de os amigos terem organizado tudo para a sua fuga. As suas motivações eram exemplares: a fuga teria significado uma violação do veredito e, portanto, violação da lei. A verdadeira arma de que o homem dispõe é a sua razão e, portanto, a persuasão. Se, fazendo uso da razão, o homem não consegue alcançar seus objetivos com a persuasão, então deve se conformar, porque, como tal, a violência é uma coisa ímpia. (Reale e Antiseri).

Platão põe na boca de Sócrates, para, ainda hoje, nos alertar: “Não se deve desertar, nem retirar-se, nem abandonar o próprio posto, mas sim, na guerra, no tribunal e em qualquer lugar, é preciso fazer o que a pátria e a cidade ordenam ou então persuadi-las em que consiste a justiça, ao passo que fazer uso da violência é coisa ímpia. E Xenofonte escreve: Preferiu morrer, permanecendo fiel á lei, do que viver violando-a.

Comentam os historiadores Giovanni Reale e Dario Antiseri, na conhecida História da Filosofia, que, ao dotar Atenas de leis, Sólon proclamara em alta voz: Não quero valer-me da violência das tiranias, mas sim da justiça. E um estudioso observou oportunamente o seguinte: Na Ática dos primeiros séculos, o fato de que nenhum homem em cujas mãos o destino pôs o poder tenha deixado de exercê-lo nem a ele renunciado por amor à justiça é algo que teve conseqüências incalculáveis para a vida jurídica e política da Grécia e da Europa. (B. Snell).

Entretanto, a posição assumida por Sócrates foi ainda mais importante, pois com ele, além de ser explicitamente teorizada, a concepção da revolução da não-violência foi demonstrada inclusive com sua própria morte, sendo desse modo transformada em conquista para sempre. Ainda recentemente, Martin Luther King, o líder negro norte-americano da revolução não-violenta, baseava-se nos princípios socráticos, além de nos cristãos.

* Jornalista e professor assistente de ética da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

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