Haroldo Costa Tourinho Filho
ha-tour@hotmail.com
Extrovertido foi Tony Boo-goo-loo. Conhecia praticamente todo mundo e, se não o conhecessem, dava-se a conhecer. Alegre, desprendido, brincalhão, peça rara. Oriundo de Boc-Citi, surgiu em Moc num daqueles verões dos anos dourados.
Hospedou-se no melhor hotel. Gastava a rodo. Nas horas-dançantes dos clubes e residências brilhava mais do que todos ao exibir-se na dança da moda, o boo-goo-loo, substituta do twist e congêneres. Daí seu apelido. O conjunto de pernas e braços em ação dava ao dançarino a aparência de um desses bonecos mané-molengos. Tony era o melhor naquilo e logo despertou invejas. Além do mais, tratava-se de um forasteiro botando banca em Moc-Citi. "I-na-cei-tá-vel!" - bradavam alguns dos guardiães locais.
Os Eremitas: Reinaldo Nunes, Luiz Guedes, Herbert Caldeira
e Geraldo Madureira (Grego).
Alto, esguio, moreno - um moreno hindu -, olhos verdes, tinha Tony os cabelos pretos levemente ondulados. Uma basta e bela cabeleira. Figura insinuante. As garotas caíam-lhe em cima. Mais invejas, mais ciúmes... Alguns xenófobos já planejavam dar-lhe um cacete, correr com ele da cidade. E se tal não aconteceu deveu-se à sua amizade com os músicos de uma das nossas bandas de rock, Os Eremitas.
Desta banda tornou-se Tony o empresário. Lucros não lhe importavam. Bancava tudo: instrumentos, bebidas, comidas, farras... Vestia-se como um príncipe, um príncipe psicodélico: calças de cetim - por vezes roxas/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"Esse menino é transviado! Arreda, Satanás!"
Com três dias de namoro, Tony presenteou a eleita com uma aliança de brilhantes. Que lhe foi devolvida pela moça, em prantos, forçada pelo pai, que esbravejara: "Onde já se viu?" Tony não se conformava: "Que coroa desnaturado! Minhas intenções são as melhores possíveis! Estou apaixonado pela Fernanda!" O idílio não venceu aquele verão, mandada que foi a pobre garota para um internato de freiras em Pará de Minas. Anos dourados?...
A bomba retardada explodiu quando a conta da joalheria Coelho bateu em Bocaiuva. Seu Antônio sequer almoçou naquele dia. Ao volante de sua Rural-Willys, chegou a Moc por volta de uma da tarde. Sol a pino. O filho ainda dormia... Antes de mais nada fechou a conta do hotel. Horrorizou-se: dúzias de cervejas, vodkas, garrafas de Drury's, pacotes de cigarro - Tony não fumava... - e notas de restaurantes pagas pela gerência... Preencheu o cheque e determinou que acordassem o moleque. Dentro de meia hora viria buscá-lo - avisou - e que estivesse pronto, mala na mão! Acabara-se a esbórnia! Dali foi à joalheria e quitou a aliança.
Tony o esperava na recepção do hotel, cabisbaixo, cara de santo, arrependido.
- Bonito, hein? Muito bonito! Anda, direto pra casa, vagabundo! - berrou o pai. E dirigindo-se ao gerente: - Se aceitá-lo novamente aqui, o problema é seu!
Tony estivera a conjecturar o acontecido. Só podia ser a tal aliança... Na joalheria, dera o nome do pai, endereço, telefone... Há dez dias vinha enrolando o cobrador... Ao entrar no carro disse ao pai:
- Sei que errei, velho...
- Cala a boca!
Calou-se.
- Pensa que sou Onassis?
- Eu ia devolver a aliança...
- Devolver?
- Sim, o pai da moça mandou-a recusar o presente... Aqui está.
- Está ficando louco, meu filho?
- Foi o amor, pai...
- Ah, sim, o amor... Pois fique sabendo que vai curar essa doença no cabo da enxada!
- Mas, pai...
- Calado!
A despesa do hotel foi momentaneamente relevada por Seu Antônio. Quanto a aliança, seria presenteada à filha mais nova por ocasião de seus 15 anos. Dias sombrios emolduravam o horizonte de Tony Boo-goo-loo. Seu sonho de estudar em BH acabara de ir por água abaixo, pelo menos naquele ano. Se quisesse, disse-lhe o pai, podia deixar Boc-Citi, contanto que fosse para um colégio interno: Dom Bosco ou Caraça... Mas, mãe é mãe, e a dele conseguiu do marido o abrandamento da pena. O moleque ia trabalhar com ele, sim, mas não no cabo da enxada.
Decorridos alguns meses, Seu Antônio confiou ao filho o pagamento do pessoal da fazenda. Não era coisa de pouca monta. Havia trabalhadores fixos, dois tratoristas e a turma do milho... Lá se foi o nosso herói com uma caixa de sapatos repleta de dinheiro. No bolso, a lista de empregados.
Aguardavam-no, estes, sentados na mureta da varanda que circundava a sede da fazenda. Ao vê-lo, seus rostos se iluminaram. E Tony experimentou grande satisfação ao pagar-lhes. Abriu o escritório, tomou assento à mesa como muitas vezes vira o pai fazer, mandou servir um cafezinho a todos e deu início ao procedimento.
- Seu Malaquias! - chamou o primeiro.
Lá foi Malaquias com o chapéu na mão. Um fiapo de homem. Embora tivesse 40, mostrava 60 anos...
- O senhor só ganha isso, Seu Malaquias? - perguntou Tony, estupefato.
- Inhô sim...
- Pois a partir de hoje o senhor terá um aumento.
- Brigado, patrãozim...
- Seu Jurandir!
Prosseguiu com a chamada e os aumentos salariais. Como o dinheiro que levara não foi suficiente para pagar a todos, Tony prometeu voltar no dia seguinte e saldar a dívida para com os outros. Nunca mais voltou. Dizem que o pai o expulsou de casa a tiros...
Verdade ou não, o fato é que Tony escafedeu-se para a casa de um tio. A mãe mandou-lhe a mala e algum dinheiro e o tio deu-lhe a passagem de trem para Belo Horizonte. Lá, a madrinha e tia financiou-lhe a ida para São Paulo, onde pretendia trabalhar. A essa altura já fizera seus planos...
Na capital paulista hospedou-se com uma senhora de Boc-Citi que ali mantinha uma pensão - dona Amélia Barbosa. No dia imediato à sua chegada, pasmem!, bateu na casa de ninguém menos do que o rei do Brasil. Sim, bateu na porta de Chatô*, o magnata da mídia nacional, fundador da TV no país (TV Tupi), proprietário de dezenas de jornais e centenas de emissoras de rádio.
Tocou a campanhia, veio o mordomo.
- Eu gostaria de falar com o dr. Assis Chateaubriand.
- Quem é o senhor?
- Sou de Bocaiuva, Minas Gerais. Meu nome é Antônio Alkmim. Diga ao dr. Chateaubriand** que sou sobrinho do Zé Maria.
- Conheço o seu tio...
Não esperou dois minutos. Foi prontamente atendido por Chateau.
- Sente-se, meu jovem, que bons ventos o trazem? Que prazer! Como vai nosso ministro?
- Dr. Chateaubriand, tenho uma coisa a lhe dizer... Sou de Bocaiuva, mas, infelizmente, não sou sobrinho do dr. José Maria Alkmim, a quem conheço desde menino. Ele é amigo da minha família. Desculpe-me, mas essa foi a única forma que encontrei para falar com o senhor.
Tamanha ousadia conquistou o rei, que pela própria trajetória de vida fizera várias vezes o mesmo ou pior. Tony ficou para jantar e no dia seguinte assumiria um cargo nos Diários Associados.
Alguns anos depois encontramo-nos em BH, Cantina do Lucas, onde almoçamos. Ele estava impecável, metido num terno caríssimo. De São Paulo fora para o Rio, onde trabalhava como relações públicas de uma multinacional ligada à extração de minérios. Salário nas nuvens, cartões corporativos e outras mordomias. Deu-me o seu cartão de visitas. Combinamos sair à noite, que começou na Casa dos Contos (ou Tontos, como a chamava Joe Cachorro Doido), prosseguiu na boate Sagitarius (mesa de pista, princesas, Veuve Clicquot...) e quase acaba no Hotel Del Rey (Tony lá se hospedara), onde fomos impedidos de entrar com as gatas. "Aqui - disse o recepcionista, nem mesmo nosso mais ilustre hóspede, o senador Itamar Franco, entra com mulher..." Fazer o quê? Motel. Em Minas, naquelas tristes priscas eras era assim, a grande maioria dos hotéis, não importa a categoria, exigia até mesmo certidão de casamento. E as pensões, por mais simples que fossem, traziam nas placas: FAMILIAR.
Nos seus anos de Rio, Tony relacionara-se com uma garota de Boc-Citi que lhe deu uma filha. Ambas, mãe e filha, aí residiam quando a menina debutou. Do Rio, Tony encomendou a melhor festa de 15 anos já vista na região: buffet, orquestra, show... Só dei com o convite quando retornei de Salvador... E, de volta ao Rio, seu conversível Porsche - o que nos remete a James Dean - encontrou uma carreta na BR-3...
* Vide Chateau, o rei do Brasil. Ed. Cia das Letras. Autor: Fernando Moraes
** Assis Chateaubriand esteve em Montes Claros por ocasião da sua doação de uma aeronave, a primeira, ao Aero Clube local. Hospedou-se no sobrado dos Oliveira, praça da Matriz.
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QUERIDOS LEITORES,
Escrever em redação de jornal não é mole. TV de um lado (Datena e seu banho de sangue...), rádio de outro... Numa ilha, com alguns computadores, os redatores. Gritos, perguntas ao redator-chefe: "Regi, ideia leva acento?"; comentários: "Esse hífen anda me enchendo o saco!" Entra a menina com o lanche. Sai uma visita. O telefone toca, ninguém atende... Chega da rua Xuxa, o fotógrafo, com as últimas piadas ouvidas por aí. Descarrega as fotos no seu computador e chama todo mundo pra ver como se morre atropelado por um caminhão... Alguém me pede para escrever sobre o famoso Baile do Cabide...
Assim, as crônicas publicadas pelo O Norte, apesar da boa vontade e das eventuais correções de nosso redator, não saem ao ponto, digamos assim. No http://www.montesclaros.com, o texto vai seco, em primeira mão. Realmente, a redação que considero final e mais completa, com fotos ilustrativas etc (até a próxima correção... rsrs) está em meu blog > http://www.princesadonorte.blogspot.com
Acessen-no, please, porque blogs sobrevivem de leitores...
Abraços em todos e obrigado pela atenção,
Cabaret