Felippe Prates
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Tudo bem, que sejam corruptos, mas com elegância! Há vários anos assistimos aos shows de grampos, flagrantes, juras de inocência, provas cabais, evidências solares, júris comprados e sabemos que a Polícia Federal prende, mas que o labirinto da lei é tão intrincado que, ao fim da linha, todos sairão livres, mais leves e soltos. Até hoje houve 800 casos de corrupção comprovada, julgada e condenada. Mas ninguém está preso. Tudo bem, enquanto a lei continuar paralítica, teremos de assistir a essa “féerie”, esta apoteose de ladrões, velhacos, ratoneiros, chupistas, rufiões municipais, agatunados (como dizia ACM referindo-se a um atual ministro) e assassinos em geral. Mas é uma pena que tudo isso aconteça sem se quer um toque de “savoir faire”, sem “glamour”, sem “wit”; só nos exibem desculpas vagabundas, sem respeito por nossa inteligência. E o pior é que, além dos bons e velhos políticos ladrões de sempre, há uma profusão de novos corruptos. Agora temos o espetáculo dos pelegos em ascensão, com bigodeiras tétricas, boçais, famintos, querendo comer os bens dos burgueses cujo comportamento antes condenavam. Achamos que nossa endêmica corrupção está precisando de um banho de loja, de aulas de etiqueta, de “finesse”. Os saudosos corruptos de antanho tinham um traço fundamental: a pose. O importante nunca foi ser honesto, mas parecer honesto. A coisa mais grave que aconteceu no Brasil foi a desmoralização da política, o fim da pose, a desmoralização da mentira, que é uma arte. Essa raça não tem respeito nem pela mentira! Resta-nos imaginar um manual de boas maneiras para nossos corruptos. Eis algumas:
Não digam: “Ah, não me lembro do empréstimo de US$ 30 milhões que consegui sem avalista, pois assinei sem ler...Ou então: “Esta mulher loura de coxas douradas? Não me lembro se foi minha secretária ou não...” Mintam bem, de fronte erguida, dedo espetado, sobrancelha alta, semblante calmo graças ao Lexotan, olhos úmidos para emocionar o telespectador, talvez uma breve lágrima, mas as mãos sem tremores, sorrisos humildes, porém dignos. Mintam, mas jamais tenham o mau gosto de usar os membros da família, como “filhos queridos” ou “minha amada esposa”; alias, ocultem-na, para não ficar visível sua pálida solidão sem amor, acorcundada* pelo peso dos chifres, culpa das amantes cachorras e mal pagas. “Remember” Arséne Lupin, o ladrão de casaca da nossa juventude e tentem imitar os gestos seculares da rapinagem clássica: porte de estátua, perfil de medalha, sorrisos conciliatórios, autoritarismo egoísta disfarçado de tolerância democrática. Melhorem o linguajar que usam em telefonemas sempre gravados. O tom escrachado tisna a dignidade do roubo porque o deboche desqualifica a beleza do delito. E quando comprarem bens com o dinheiro roubado da Saúde ou da Educação, dispensem os óbvios objetos do desejo cafajeste: lanchas, carrões, vinhos, Miami, ilhas. Comprem coisas definitivas e belas, Renoirs, livros raros, vasos chineses de porcelana “craquelée”, sei lá... Importantes são as desculpas, os argumentos da defesa. Numa CPI, depoimento para a PF ou entrevistas para jornais, nunca diga lugares-comuns como: “São infâmias contra mim...ilibado...despautério, aleivosias da oposição...” Outro dia o Jader Barbalho deu um belo exemplo. Acusado sempre inocentemente de supostos delitos, ele declarou: “Isto é um processo kafkiano contra mim...” Não é bonito, não pegou bem? Boa literatura. Inventem desculpas emocionantes: “No leito de morte da minha mãe veio a PF me procurar...” ou “estava eu rezando, com outros bispos de minha igreja, quando caíram por milagre a meu lado duas malas com 6 milhões...” No capítulo importantíssimo do “lay out” da corrupção, não usem gravatas muito berrantes que apontem para barrigas imensas...Emagreçam, pois o visual gorducho evoca pança cheia, comilanças...Fiquem magros. Muito cuidado também com o dramático, o súbito momento da prisão, quando a polícia chega. A maioria dos corruptos presos em casa estão sempre de bermudas e chinelo...Evitem esse traje vergonhoso. Sejam precavidos e deixem sempre no pé da cama, como as artistas do cinema, um “robe de chambre”, um quimono japonês...Roupão, não, por amor de Deus! Quando algemados, saiam com uma bela “allure”: não cubram as algemas e nem escondam a cabeça na camisa, que parece confissão de culpa. Ostentem, com esnobismo, um ar de “non chalance”, um sorriso superior, irônico e passem a mensagem de que “Vejam que covardia, que injustiça, que besteira, sei que serei solto, não adianta me prender...” Cuidado com os bigodes, pois eles significam muito. Há os incriminadores, os cínicos, os suspeitosos. Penteiem-se com capricho, evitem beicinhos vorazes e úmidos, não paguem amantes sem tempo de casa com dinheiro de propina, não gargalhem com a cara gorda, imensa, com a boca escancarada, salivando de gozo, como um hipopótamo ladrão. E, por fim, quando matarem freiras ou índios, absolvidos, não façam o “V” da vitória: apenas um rosto gélido de quem é o rei da floresta, que compra jurados e “laranjas” para irem em cana em seu lugar.
(Acorcundadas) – Atenção Ronaldo José de Almeida: inventei mais uma! Anota aí.
Referência: Arnaldo Jabor – “O Tempo”.