A aposentada

Jornal O Norte
Publicado em 05/10/2010 às 10:11.Atualizado em 15/11/2021 às 06:40.

Ronaldo Duran


Escritor



Tomou o ônibus por volta de meio dia. Sorriu para o cobrador, e apesar de encontrar muita gente de pé, achou lugar para ir sentada. Dividindo o assento, estava a moça toda arrumadinha. Ia trabalhar nalguma loja do shopping? Pelos menos foi esse o palpite.  Para corroborar na adivinhação, a moça desceu no ponto de frente ao shopping.



Senhora de seus cinqüenta e poucos anos, "um tantinho pros sessenta", como dizia para as pessoas, ela nada tinha de introspectiva, muda. Causaria desconforto ao Faustão caso fosse uma das entrevistadas do Domingão.  Não deixaria o apresentador falar. Como sempre há ouvintes que dão corda, ela ia proseando durante o percurso da residência até o centro comercial da zonal sul.



O primeiro itinerário será o banco. E se sobrar tempo, uma passada naquela loja.



O banco é um universo à parte. A maioria das agências bancárias é terrível, onde o cliente pouca diferença tem do gado empurrado para o abate. A fila é a primeira tortura. Raro o Atendimento Personalizado que se costuma assistir no comercial de televisão. Na vida real, pra maioria, o que se vê são bancários sobrecarregados, baixa remuneração, e um tempão de pé na fila. A irritação da perda de tempo. Parece que a internet ajudou pouco.



"Eu é que não confiou nisso de computador. Prefiro vir aqui e fazer tudo na frente do caixa", é opinião da aposentada. Para os internautas pode parecer o cúmulo do atraso. Para ela que consumiu trinta anos da vida produtiva na fila de banco, não.



Lecionou um bocado de anos. Em março de 2009, a aposentadoria chegou. Na fila do banco designado para o pagamento dos professor es do Estado, ela encontra companheiro de escolas pelas quais passou.



_ "Que fila! E eles só colocam dois caixas", esbraveja uma.



_ "É. A fila do idoso está cada vez mais cheia", outra senhora dá a entender que quem está na fila do idoso não é tão idoso assim.



_ "Se eu tivesse sessenta...", a aposentada mostra o desejo de desfrutar da fila do idoso futuramente.



_ "Hum", a senhora de mais de sessenta permaneceu quieta, devido à vaidade.



Mudaram de assunto.



_ "O que importa é que estou aposentada", disse satisfeita.



_ "Que legal", reflexiva.



_ No começo não foi fácil. Sabe, eu que sempre trabalhei, que desde cedo na roça peguei no batente, foi complicado parar de uma hora para outra. Nos primeiros quinze dias, fiquei zanzando na escola. Ia lá com a desculpa de ver os amigos. Passava a tarde ou a amanhã toda lá.



_ "É aquela coisa do hábito, né?



_ "Isso mesmo. A gente se apega à rotina. Quando ela termina, a gente fica sem saber o que fazer. É como se faltasse um braço, mas a gente teima em achar que a mão ainda está lá", comentou.



_ "Entendo", ia prestando atenção enquanto se sentia aliviada por faltar apenas cinco pessoas na sua frente.



_ "Mas aí coloquei a caixola para funcionar. E percebi o que estava perdendo. Comecei a dar valor pra minha liberdade. Não ter o que fazer o dia inteiro é muito bom", alegra-se.



A colega não está ouvindo. Detém-se em abrir o holerite. A expressão triste no rosto.



_ "O salário é que não ajuda muito. Trinta e tantos anos agüentando criança malcriada e o que me sobrou?", eis o comentário.

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