Alberto Sena
O jornalista Luiz Ribeiro, com a sua peculiar simplicidade, envia mensagem me lembrando de um episódio que, sem falsa modéstia, para mim foi motivo de satisfação e de um Prêmio Fenaj de Jornalismo: “O roubo do rio Verde Grande revolta a Jaíba”, reportagem publicada em 1988, no Jornal Estado de Minas.
Na ocasião, Luiz iniciava sua brilhante carreira jornalística e me conta agora, tanto tempo depois: “me lembro que, numa tarde, quando era “foca” no “O Jornal de Montes Claros” (acho que o pessoal lá nem sabia o meu nome) vi chegar um homem num Fusca branco trazendo sua própria máquina de escrever; e ele ficou na Redação usando a máquina por algum tempo. Depois fiquei sabendo: era Alberto Sena. Aquilo despertou minha curiosidade, sempre aguçada. Depois vi o resultado, uma série de matérias denunciando os pivôs centrais de irrigação que estavam “sugando” o Rio Verde Grande...”
O Verde Grande faz parte da minha vida desde a infância. Muitas foram as vezes em que banhei naquelas águas ainda limpas. E quando adulto, repórter do EM, não pensei duas vezes ao ser informado de que, pela primeira vez, o rio secara por causa da ganância de um grande empresário, que instalara em sua propriedade 11 pivôs centrais, cada um de 500 metros de raio. Quando ele ligava os pivôs, o rio simplesmente desaparecia sugado à semelhança de quando alguém suga no canudinho suco de laranja de um copo.
Rumei de Belo Horizonte à Jaíba em companhia do fotógrafo Eugênio Paccelli e o motorista Cirilo (“Tira-Gosto”) e andamos sobre o leito do rio praticamente seco por mais de um quilômetro. Encontramos poças d’àgua onde peixes aflitos se debatiam pela vida. Apuramos que vários eram os irrigantes do rio, mas o principal deles era um megaempresário. E por causa disto, durante muito tempo ele foi chamado de “ladrão do rio”.
Levado pela cobiça, com recursos da Sudene, o empresário intentou instalar na região da Jaíba três projetos agropecuários. Num deles, às margens do Rio Verde Grande, pretendia colher feijão e algodão, se espelhando em projetos que vira em viagens à Califórnia (EUA), onde os fazendeiros norte-americanos se utilizavam das águas de geleiras para irrigação.
Subsidiado pela Sudene, ele construiu silos modernos, sede e outras benfeitorias no projeto, sem o cuidado de verificar: o que é bom para agricultores norte-americanos podia não ser para um megaprodutor ambicioso do Norte de Minas. Ele não levou em consideração o fato de o Verde Grande ser “rio velho”, cuja cava, cada ano mais rasa, não comporta, como não comportou, exploração tamanha.
Resultado: deu, literalmente, com os burros n’água. Ao ligar, simultaneamente, os pivôs, quem dependia de água – os ribeirinhos e outros irrigantes – ficou chupando o dedo. Isto, claro, causou revolta, ao ponto de os prejudicados ameaçarem invadir a propriedade dele para pôr termo ao que à época foi considerado um abuso.
A notícia chegou à Redação do Jornal Estado de Minas e fomos incumbidos da missão de verificar “in loco”, o que de fato estava acontecendo ali na Jaíba, região sobre a qual desde criança, eu, particularmente, ouvia as mais incríveis e fantasiosas histórias. Pela primeira vez fui lá e pude constatar que se tratava mesmo de uma região com características peculiares. Deparei-me com resquícios de florestas dotadas de árvores imensas, a exemplo da Amazônia.
Foi lá que, juntamente com Paccelli e Cirilo, que testemunhei uma das cenas mais lindas, nunca vista em lugar nenhum: uma espécie de congresso de aves como pássaro-preto, cardeal, sofrê, rolinha marrom e pedrês enfileirados nos arames farpados de cercas. Eram tantos, mas tantos, que davam a impressão de estarem suspensos no ar porque os arames nem apareciam.
Vimos borboletas mil, multicoloridas, num espetáculo que só a natureza pode nos proporcionar.
Mas vimos também, e principalmente, o sofrimento dos ribeirinhos e dos pequenos irrigantes que, vítimas da cobiça de um empresário imprevidente, padeciam à míngua a falta d’água. Depois de publicada a primeira reportagem, no EM, no dia seguinte a água voltou a rolar pelo leito do Verde Grande.
E já na Redação, em Belo Horizonte, quando o telefone tocou, do outro lado da linha uma voz de mulher extasiada de felicidade, dizia: “a reportagem saiu e em pouco tempo ouvimos o barulho da água fazendo chuááá”.